REFERÊNCIA: 12 homens e uma sentença. Direção: Sidney Lumet. Produção: Henry Fonda e Reginald Rose. Produtor associado George Justin (Orion-nova). Intérpretes: Lee J. Cobb; Ed Begley e E. G. Marshall; Jackwarden; Martin Balsam; John Fiedler; Jack klugman; Edward Binns; Joseph Sweeney; George Voskovec; Robert Weber. História e Roteiro de Reginald Rose. Gênero: Drama. Estados Unidos: Orion-Nova, 1957. 1 DVD (96min).
RESENHA
No filme “12 homens e uma sentença” (1957), estrelado por Henry Fonda, é colocado em evidência os bastidores de um julgamento cujo caso refere-se a um homicídio. Trata-se, mais especificamente, da história de um jovem acusado de por fim a vida do próprio pai.
Ao analisar a produção fílmica com um olhar sobre a visão de conhecimento que admite a verdade como absoluta, é possível compreender o perigo que ela representa para a condição humana. No filme, a distância entre culpado e inocente definido pelo julgamento crime é capaz de colocar nas mãos de seres humanos a decisão sobre a vida (ou morte) de um ser humano.
Na história que se desenrola, a verdade se torna, graças à oportunidade de um debate, passível de ser relativizada. A verdade, enunciada no filme, torna-se o fruto do compromisso coletivo com a justiça. Ela passa a ser o resultado, sobretudo, de uma postura ética diante da vida.
Nesse sentido, o referido filme, inicia-se com a determinação do Juiz, que encomenda a análise do caso em questão pelo Júri. Aliás, o filme dirigido por Sidney Lumet se passa, a exceção de três minutos de projeção inicial e de um ligeiro final, exclusivamente, em uma sala de júri. Trata-se como dito antes, de um caso de homicídio de um homem, cujo acusado em julgamento é o próprio filho.
No momento em que as pessoas que compõem o Júri se reúnem para deliberar sobre o julgamento, fica latente que o caso em questão é visto com um certo descompromisso e é, praticamente, tido como encerrado pela grande maioria dessas pessoas, que votam pela condenação do réu.
Em contrapartida, entre os integrantes do Júri, um homem – sim, um único homem foi contra tal condenação. Foi contra a verdade que ali, naquele grupo de pessoas, era aceita. Esse homem foi indispensável ao parecer do Júri, representando, diante da maioria, a contradição que permitiu um consenso mais seguro para o caso.
Nesse momento primeiro, ainda era um contra onze. Haviam onze pareceres, inicialmente, em que o consenso (a verdade) era, ainda, a condenação. Em determinado instante, entretanto, quando via-se divergente de uma esmagadora maioria (11 a 1), o personagem da reviravolta sugere a necessidade de uma discussão sobre o caso.
É importante lembrar que no filme, consoante a lei que regeu o caso, o parecer do Júri tem que ser unânime. Nesse caso, somente foi admitido um parecer, cuja votação tivesse sido, nesse contexto, por 12 a 0. Ou seja, fundado no espírito da lei, não se poderia estabelecer, no caso referido, um parecer em que houvesse discordância de, pelo menos, um membro do Júri. Além disso, caso condenado o réu, de acordo com o Juiz, seria levado a cadeira elétrica. Conseguinte, em específico, não era possível conceder o perdão através do pedido clemência.
Ao estudar os discursos do filme, percebo que durante o momento da investigação do crime não houve rigor científico pela parte da equipe de perícia da polícia. Posso supor, ainda, que, a exemplo dos momentos iniciais da reunião do Júri, a equipe de investigação avaliou o caso com certo preconceito ou descaso, uma vez que, o réu em questão era de família pobre, cujo pai o tratava com violência. O jovem – ainda em conformidade com a visão expressada por alguns integrantes do Júri – era o retrato do jovem contemporâneo: rebelde, anárquico, etc.
Aliás, também, o preconceito inicial da maioria dos integrantes do Júri – sem mencionar os interesses imediatos -, é um fator que, de certa forma, prolongou a sessão. Enquanto um estava apressado para terminar a reunião, expressamente, por causa de Jogo, um outro queria resolver logo o veredicto para tocar os negócios.
Um homem, como dito antes, no entanto, foi capaz de mudar, sob a mediação do relator, o curso do julgamento, atraindo, através do diálogo, o interesse e a participação dos demais componentes do Júri. Esse homem foi o portador da dúvida necessária para se chegar a um resultado diferente do inicial, para o caso.
A partir daí, percebo que a “muralha” da verdade estabelecida pelos argumentos das testemunhas começam a ruir. Durante a discussão crítica os integrantes do Júri vão identificando lacunas nas provas que, gradualmente, derrubam o seu caráter incontestável. A arma branca utilizada, os acontecimentos e as testemunhas passam a serem alvo de desconfiança pelo Júri.
Ao final de várias simulações (reconstituições) da cena do crime, conduzido pelas argumentações que vão emergindo, o Júri finda a reunião reconhecendo que o réu é inocente, visto as discrepâncias descobertas nos elementos do caso que, reunidos, constituem a prova. Ou seja, um caso jurídico que parece definido, observando-se a quantidade de evidências, vê-se num grande revés, transformando culpado em inocente.
Nessa análise, pode-se dizer que não existe verdade absoluta, mas, uma verdade aceita pela maioria absoluta de um determinado contexto, sustentada por uma teoria científica ou não. A verdade, desse modo, não pode ser vista como imutável, inatingível e absoluta.
O saber sempre se revela como poder. A verdade é imposta por um determinado núcleo de poder, o discurso da promotoria de acusação (no caso do filme), que, aproveitando-se da apatia da defesa, acredita-se, influenciou fortemente a opinião dos jurados. Nesse meandro, conforme a inferência da centelha dialética do Júri (o problematizador da verdade), o advogado de defesa não procurou questionar as evidências das provas, negando a sua veracidade.
À medida em que eram tecidas análises pelo Júri, foi se percebendo a necessidade de “regressar” à cena do crime, para buscar os vestígios do acontecimento que não ficaram claros. Quando as dúvidas começam a serem esclarecidas (ou lançadas), o coro em prol da vida (inocência do réu) foi crescendo em adesão, até que o parecer do Júri, finalmente, considerou o réu inocente.
O que se pede, ao fim desta análise fílmica, é a cumplicidade com a dúvida, com o cuidado científico na ética e no diagnóstico de um determinado objeto ou circunstância. É preciso ter cuidado com a vida, é preciso respeitar e amar a vida. Na hora de julgar os outros é sempre leal se perguntar “E se fosse eu?”, pois, como mencionara Confúcio, “Não faça aos outros o que não queres que te faças”.
A verdade dogmática, apesar de, historicamente, ter servido, também, ao desenvolvimento humano, é, também, uma das principais responsáveis da tragédia humana. Desastre que é capaz de fazer de humanos, animais primitivos.
No instante em que a verdade deixa de ser absoluta, começa a ser relativizada. Desse modo, torna-se autorenovável, aberta a outras possibilidades, que, ao mesmo tempo que oferece novas perspectivas, permite um ajustamento com a realidade dada. A verdade relativa desmitifica a certeza, a convicção. Com isso, torna-se autocorretiva, vigilante de si mesma.
Assim, a experiência de contemplação crítica do filme em abordagem, convida-nos a refletir sobre a maneira como vemos e julgamos o mundo. Parafraseando uma das passagens do filme, podemos dizer que nem sempre vemos o que está a nossa frente.
Concordo quando o personagem de Nietzsche, em “Quando Nietzsche chorou” (2007), quando diz que o inimigo da verdade não é a mentira, mas, as convicções. Estas não podem existir sem uma visão de mundo em que prevaleça o dogma, a verdade absoluta.
Finalmente, vale destacar a atuação do personagem estrelado por Henry Fonda. Ele foi fundamental, como já referido antes, para o desenrolar final da história. Como afirma Nietzsche (1999), “...desconfiai de todos os que sentem poderosamente o instinto de castigar!...”. Foi essa linha que seguiu o personagem do referido ator. Ele observou algo além do crime. Conseguiu perceber, principalmente, que posição dos demais integrantes do Júri estava sendo muito influenciada pelas implicações imediatas de cada um deles.
O personagem em questão foi para a produção fílmica um símbolo de sensibilidade, sagacidade e inteligência. Provavelmente, características fundamentais que precisam fazer para de qualquer discussão em Júri, em que o destino e, muitas vezes, a vida de pessoas está na “mesa de tabuleiro”.