quinta-feira, 27 de maio de 2021

Papel riscado









*Fonte da imagem: clickgratis.com


Caneta indignada,

papel riscado,

angústia dissipada,

Coração poupado.


Mundo hostil, indócil, bravio,

Sentido aniquilado,

Inverno duro, sombrio,

A tragédia de mais um dia passado.


A mesa balança,

As mãos trêmulas,

Da minha desesperança,

Brota um poema.


No outro dia

A mesma agonia, o mesmo dilema,

Mundo, caneta, papel, poema.


(Autor: Paulo André dos Santos)





domingo, 25 de abril de 2021

Estrela do amanhã

.               *magens do Google.


Vi os últimos suspiros,
Encerrei as  palavras,
Tempos e ventos sombrios,
O sol entre a cruz e a espada.

Estrela do amanhã,,
Flor que insiste em brotar,
Entre pedras e trevas,
Torce, retorce a buscar.

Luz do fim do túnel,
Esperança guerrilheira,
Estende tuas mãos,
Aos soldados na trincheira.

Armas de amor e paz,
Que desfaz as fortalezas,
Ódio e rancor descem a ladeira.

Festejam de miçangas,
O povo pobre da Mangueira,
A liberdade canta e dança:

Liberdade, liberdade derradeira.


quarta-feira, 31 de março de 2021

Cicatrizes








*Fonte da imagem: pixabay.com

De cor sabemos,

Os sinos que dobram,

As flores que abrem,

As palmas que acolhem.

          ***

De cor sabemos,

das portas abertas,

do manto do mundo, 

Da dignidade torta, incerta e moribunda.

          ***

De cor sabemos, 

Mais beleza e mais natureza,

Há nos pés descalços e mãos calosas.

          ***

De cor sabemos,

O milagre das casas pobres,

A pedra onde floresce a espiritualidade,

Que as cicatrizes da terra são as testemunhas mais eloquentes

Da barbárie que nos subjuga, que nos humilha e nos mata. 

quarta-feira, 24 de março de 2021

Janela

 














*Fonte: pixabay.com




Goiabas e carambolas,

Andar descalço na praia,

Farofa, marisco, bóia,

Peixe frito, guaiamum, arraia.



Papel de pão, lápis, escola,

Crianças saltitantes a descer a ladeira,

Borboletas, cavalinhos e louva-deus,

No ninho do pássaro, os segredos teus.



Banana, suco, jaca-madura,

Comer com os olhos,

O mico, o galho, a queda, o escuro.



Volto a mim, na cadeira,

Desperto no caderno vazio,

Corro contente, é recreio.


(Autor: Paulo A. Santos)


domingo, 14 de março de 2021

Torto arado: identidade, terra e ancestralidade


Fonte da imagem: https://jornal.usp.br/


Por: Paulo A. Santos.

Sempre ouvi dizer que ‘Deus escreve certo por linhas tortas’. Toda vez que eu escutava isso, geralmente, as pessoas estavam diante de uma situação difícil, que de certa forma não ia bem no momento. Talvez, as pessoas digam isso para consolar alguém ou para preservar um clima de otimismo com relação ao futuro.


No entanto, ao refletir sobre o roteiro seguido na obra literária Torto arado, de Itamar Vieira Júnior, embora reconhecidamente ficcional, a história apresentada pela obra é emblemática sobre o Brasil de ontem e hoje. Temas como identidade, terra e ancestralidade percorrem a narrativa do romance em toda a sua extensão.


A relação com as forças místicas da natureza também se fazem presente na história, bem como, a tradição do uso de ervas medicinais no tratamento de enfermidades. A existência de uma autoridade espiritual na comunidade também é um aspecto que compõe a atmosfera simbólica da narrativa.


Mais do que uma ficção sobre uma determinada comunidade quilombola do país, a obra desvela relações de exploração das famílias que trabalham na zona rural do país, submetendo-se, muitas vezes, pessoas a condições degradantes e precárias.


Apesar da existência de um ente apaziguador das relações estabelecidas entre os trabalhadores e o gerente da fazendo é um elemento que corrobora com a ideia de providência espiritual para as necessidades da comunidade. 


Como não era possível encontrar a paz no desequilíbrio das relações entre a gerência da fazenda e a masssa de trabalhadores, somado à acumulação de uma massa crfítica entre os trabalhadores, tornou-se possível o surgimento de um movimento operário-rural, a fim sanear as críticas condições de vida dos trabalhadores da fazenda. 


E como gatilho para isso, as novas políticas implementadas pelo novo proprietário da fazenda, que, em certa medida abalou as estruturas das relações da comunidade de trabalhadores com a identidade e a ancestralidade que até então eles mantinham com relação à terra.

Como dito antes, apesar de se tratar de uma obra ficcional, sua narrativa é instigante, de modo que é capaz de latejar as veias das relações comunitárias com a sua ancestralidade, mas também contribui para fomentar  uma reflexão das pessoas com relação ao presente de suas comunidades assim como o passado e o futuro.


O seu efeito, para além da literatura, espraia-se de modo pedagógico sobre a necessidade de se organizar socialmente, de forma a gerar uma energia social capaz de empreender lutas históricas. Torto arado é, nesse sentido, reflete uma expressão literária capaz de espetar a realidade, não só defendendo relações identitárias com a ancestralidade, mas também convidando-nos a defendê-las


sábado, 25 de abril de 2020

Delírio e remorso: divagações sobre o "Crime e castigo", de Dostoiévsky



Por: Paulo André dos Santos.


Acabei de terminar a leitura de “Crime e castigo”, de Dostoievsky, após muitas idas e vindas nessa leitura, enfim, cheguei ao cume dessa maravilhosa montanha. Não se isso foi somente uma percepção minha, mas poucos livros me ofereceram uma construção atmosférica tão rica em detalhes e por tanto, tão verossímil. Devido ao estado de debilidade e delírio que afetavam constantemente o personagem central (Raskolnikov), fiquei, inúmeros momentos, “encharcado” pela dúvida - até agora estou (e isso é bom). Um dos fatos que me fez refletir bastante foi perda da memória recente que acometeu o personagem em alguns momentos cruciais. Juntado a isso, em um dos trechos culminantes da história, Dúnia se revela uma personagem distinta da imagem construída ao longo da narrativa e o seu momento de tensão com Svidrigáilov me fez acender a luz amarela, de forma que uma pergunta tenha emergido: “Apesar de todas as pistas que foram fornecidas pelo autor, seria mesmo Raskolnikov o verdadeiro assassino ?”. De quem terá sido realmente o castigo, senão do próprio Svidrigáilov, que se suicidara ? Apesar de Raskolnikov ter confessado o crime e ser condenado a clausura na Sibéria, não teria ele se libertado, enfim, da prisão em que tinha vivido até então? Por incrível que pareça, foi justamente na prisão que “Ródia” se libertara. Desse modo, fica a dúvida tão necessária ao pathos literário.





E então, você já leu o livro? Se você já leu, compartilhe as suas impressões fazendo um comentário.

domingo, 29 de dezembro de 2019

Para renovar as esperanças









Por: Paulo André dos Santos.





Um dia desses, sem um propósito específico, eu estava lembrando dos meus tempos de infância. E ao vasculhar as lembranças, começavam a aparecer muitos flashes de momentos agradáveis e outros não tão agradáveis assim.


Há uma passagem desses tempos em que eu sempre recordo, nos momentos de stress, angústia e desilusão. O encontro com o passado pode ser, ocasionalmente, o encontro do eu-presente com o eu-perdido-e-esquecido.


No curso dos anos que vão se passando, incorporamos determinados elementos culturais e vamos nos despindo de outros. E no meio das coisas das quais nos nos livramos, algumas coisas vão na carona, sem ter sequer pedido.


Eu lembro que quando éramos crianças, costumávamos fazer as pedras saltarem na água. Podíamos ficar ali defronte à água, jogando uma pedra após a outra. Isso era um lance quase ancestral.


Os adultos também gostavam dessa brincadeira. Ajudava as pessoas a se descontrairem, as se distanciarem de algo que as afetavam no momento. Havia uma relação simbólica entre as pedras que eram lançadas na água e nós. Às vezes, parecia uma espécie de xamã, pois, enquanto a pedra ia pulando na água, era como se nossos desejos e nossas aflições estivessem indo com ela.


O interessante mesmo é que uma pedra, idealizada geralmente como algo rude, primitivo, sem utilidade, ofereça-nos a possibilidade reencontro com a nossa própria ancestralidade.


Todos nós precisamos de um momento como esse, para dissipar o stress, liberar as emoções tóxicas e se energizar de bons fluidos. Cada pessoa tem um hobby, como costumamos dizer hoje.


Todos nós precisamos disso, para preservar a nossa estabilidade emocional e cognitiva. Para nos ajudar a enfrentar a dureza da vida cotidiana, com o seu ritmo, com suas pressões amplificadas em várias dimensões, com a correria desenfreada na qual nos lançamos à labuta diária.


Somos uma constante re-construção, dia-a-dia. Terminamos o dia, muitas vezes, demolidos pela rotina e de algum modo, à noite, saramos as feridas, recobramos o ânimo, para recomeçar novamente.


Estamos condenados, como no mito de Sísifo, a rolar a pedra montanha acima e levantar o astral, todos os dias, continuamente. E desse modo, estamos destinados a ter lamber as feridas do tempo que passou, a olhar para a luz que brota no horizonte no alvorecer do dia, a levantar, a esticar os braços e pernas, a estalar os dedos e a começar tudo de novo, em uma nova odisseia.


É esse recorrente ato de superação, trabalhado durante uma vida, de criação-destruição-criação, que torna o nosso ar respirável. Caso contrário, certamente, morreríamos de tédio.


A vida precisa de desafios; precisa superar os limites que lhe são impostos. E quando a situação aperta, quando a situação nos coloca contra a parede, para suportar as pressões e escorregar pelos flancos, devemos novamente lançar a pedra n’água.