domingo, 13 de novembro de 2016

Bate coração.

Por: Paulo André dos Santos.
Era com óculos escuros, calça jeans, bota e uma jaqueta surrada, que ele saia diurnamente para trabalhar. Acordava às seis da manhã, jogava uma água no corpo e vestia a fantasia. Sim, mais parecia uma fantasia, tal era   a   preocupação   com   os   mínimos   detalhes.  Enquanto,   para   muitas pessoas, a moto era tão somente um meio de locomoção, na ótica de Celestino, mais do que um meio, a moto parecia ter um fim em si mesma. Havia entre ele  e a moto  uma relação  de muito orgulho e reverência impagáveis. Logo às sete da matina, já se podia ouvir o agradável ronco do motor da velha motocicleta, que embora não fosse tão destacado, era capaz de causar o respeito e a admiração. O som produzido pela moto, rasgava a avenida, geralmente, arregalando os olhos da plateia. Não era uma Harley Davidson, mas, era como se fosse. Para Celestino, os primeiros minutos de intimidade diária com a  moto eram  únicos. Ainda que se performassem todos os dias, sempre havia um capítulo inédito a escrever. Por uns cinco minutos,  ainda na garagem,  no seu rito diário, analisava clinicamente o estado da companheira. Em seguida, ficava a massagear o seu  ânimo, ouvindo   aquele   som   característico   do   motor,  ora  acelerando,   ora desacelerando, como se estivesse a cumprimentar à máquina. Em poucos minutos, terminada aquela oração, disparava, rápido e imponente. Entre as ruas e as avenidas, Celestino decolava rumo ao outro mundo, levantando a poeira acumulada no asfalto. Todos os problemas, sem exceção, ficavam para trás. O resto, à adiante, era somente o paraíso. E assim ele começava o dia – pensando que o céu fosse o limite. Mas, alegria e tristeza sempre tiveram prazo de validade, e talvez por isso, precisem se revezar na vida das pessoas. Não seria apropriado que uma delas se tornasse um devir permanente. Qualquer um se cansaria de uma vida sem esse balanço, entre a sorte e o azar, entre a alegria e a tristeza, entre a esperança e a decepção. Tais sortes e intempéries também se fazem no trânsito. Na rua, alternam­se os prazeres e os desprazeres, as rusgas e as cortesias. A vida no trânsito sempre segue o seu curso. Dia após dia,  vai deslizando, livre e sinuosa, alternando ânimo e apatia, numa dinâmica que pode levar  à luz ou  às trevas. Nem tudo na vida são flores. E no trânsito, é muito forte a presença dos espinhos. Quem experimenta a vida nas ruas, sabe disso. No caso de Celestino, foram quinze anos de muita história para contar. Certo dia, quando vinha da casa de um amigo.  No meio do caminho, de retorno para casa,   três   motos   de   grosso   calibre   o   cercou,   obrigando­o   a   parar. Assustado, ele parou. Os bandidos gritaram: Perdeu! Perdeu! Mané. Saia da   moto.   Com   calma.   Deixe   funcionando,   viu!   Desolado,   obedeceu   o pobre do Celestino. Um dos meliantes pegou a moto e acelerou – sem sair do lugar. Parecia em pura êxtase em cima da moto, de tanto prazer. Olhou para trás e disse, como quem reconhecesse a vítima e disse: “Não é nada pessoal, faz parte do negócio”. Mirou o rapaz na cabeça, que  com os olhos encharcados de lágrimas suplicou pela vida. Seguiu­se alguns segundos Silêncio. Então, o atirador então lhe respondeu: Corre! Mané. Corre seu miserável! E o rapaz correu. Correu como nunca houvera feito; os seus pulmões gritavam, a sua respiração era sofrível. Ia se afastando do bando aos metros. As suas pernas avançavam em busca da salvação, quando escutou, de longe, o estampido: Pow! Pow! Pow! Celestino caira no chão. O seu pulmão já não se contentava em gritar, queria sair pela boca. Os homens,   na   moto   já   iam   se   aproximando.   Nesses   segundos, Celestino pensava na mãe, pensava na avó, nos filhos, pensava em Julieta. quando outro   estampido   lhe   interrompeu   o   pensamento.   Outros   tiros   foram ouvidos, à distância: Pow! Pow! Pow! Desta feita as balas não sairam do revólver do primeiro atirador. Os tiros vinham na verdade, de uma outra direção. Do outro lado, vinha cavalgando, quase incontrolável, uma viatura da polícia. Vinha acelerando impiedosamente naquela estrada de barro. O motor do carro rosnava em grande fúria. Os bandidos conseguiram fugir, levando a moto. Quando a viatura se aproximou daquele corpo deitado ao chão, com algumas manchas de sangue na roupa, um policial desembarcou imediatamente do veículo e, ao se   aproximar da vítima, viu que ainda respirava. Foram as últimas palavras que Celestino ouviu naquela fatídica noite: “Ei, você está bem.? Ei, você está bem?” Chegou até a acenar com a cabeça, mas apagou. Nasceu de novo, seis dias depois no hospital.

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