domingo, 23 de agosto de 2009

Quando o microfone fala...




POR: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS.

Quem detém o poder de representar, de dar voz, em razão da representatividade em que se reveste, para em essência, sintetizar os anseios das maiorias, são os representantes. No entanto, esse poder é ao mesmo tempo tão absurdo, pois, torna abstratos os representados, uma vez que não possuem voz própria, quanto é, também, legítimo, pois, ordena, organiza, direciona os discursos que, em tese, emanam dessas maiorias. O sujeito que detém o microfone, em representação a um determinado grupo, é, ao mesmo tempo o sujeito que ali representa e, legitimamente, a maioria representada nele.

O mistério do ministério é um desses casos de magia social em que uma coisa ou uma pessoa se torna uma coisa diferente daquilo que ela é, um homem (ministro, bispo, delegado, deputado, secretário-geral, etc.) que pode identificar-se e ser identificado com um conjunto de homens, o Povo, os trabalhadores, etc. O mistério do ministério chega ao cúmulo quando o grupo só pode existir pela delegação num porta-voz que o fará existir falando por ele, quer dizer, a favor dele e no lugar dele. O círculo então fica fechado: o grupo é feito por aquele que fala em nome dele, aparecendo assim como o princípio do poder que ele exerce sobre aqueles que são o verdadeiro princípio dele. [...] (BOURDIEU, 2007, p.158)


Ocupar, hoje, um cargo de dirigente, delegado, secretário etc., de uma representação sindical, seja em nível de federação, seja em nível regional, está, inevitavelmente, atrelado à ideologia de um determinado partido político, que, em razão da conjectura atual, defende, assume, atua em nome de interesses que favorecem, primeiro, à sobrevivência do partido, e, em segundo, à oportunidade de ampliar o seu leque de atuação, de influência, de poder. Por isso, Bourdieu (2007, p.185), revela que "Em política, <>, quer dizer, fazer crer que se pode fazer o que se diz e, em particular, dar a conhecer e fazer reconhecer os princípios de di-visão do mundo social, as palavras de ordem que produzem a sua própria verificação ao produzirem grupos e, deste modo, uma ordem social. [...]". A promessa, assim, em um segmento politicamente engajado, nem sempre irá se tornar uma realidade. Em nome da mobilização das maiorias recorre-se, muitas vezes, à alienação destas, em via de garantir o efeito que se deseja, ou, de legitimar o que, no momento, não se justifica.

O contraditório nisso, ocorre, quando quem deveria representar, quem deveria defender, quem deveria ser o fruto dos interesses das maiorias, defende, para decepção das maiorias, a expressão dos próprios interesses, é, não mais o representante, mas, nesse instante, representa a si mesmo.

"O desenvolvimento normal da organização sindical geral resultados inteiramente opostos aos que tinham sido previstos pelo sindicalismo: os operários que se tornaram dirigentes sindicais perderam completamente a vocação do trabalho e o espírito de classe e adquiriram todas as características do funcionário pequeno-burguês, intelectualmente pervertido ou fácil de perverter. Quanto mais o movimento sindical se alarga, ao abarcar grandes massas, tanto mais o funcionarismo se espalha" (GRAMSCI, apud BOUDIEU, 2007, p. 195).



Apesar disso, não resta outra saída aos representados senão investir em uma representação, mesmo que, às vezes, seja necessária negá-la, retirá-la da condição representante e pôr em seu lugar, outra representação. Isso acontece por que, aqui no Brasil como na maioria dos países, é ilegítima a manifestação de trabalhadores sem uma representação sindical. Os sindicatos são a voz dos trabalhadores, são a sua existência e resistência, e, quando em nome da causa trabalhista, mobilizam-se e mobilizam para a conquista ou a manutenção de direitos.

Ora, se os representantes, aqui, o sindicato, não estão representando os anseios das maiorias, cabe às maiorias assumir uma postura definir outras representações para si. Apesar do poder que emana do microfone, ele só se justifica pela crença e pela permissão das maiorias. A partir do momento que este poder simbólico cai em descrença, ele, inevitavelmente, deixa de existir.

Nesse sentido, é providencial que, para que isso não venha a acontecer, os indivíduos representados não se deixem cair na passividade, neutralidade diante dos representantes. É preciso exercer uma constante vigília a respeito das atividades e dos discursos dos representantes. A função das maiorias, em nome da preservação da sua representatividade é policiar as atividades dos representantes e, permanentemente, definir e exigir como quer ser representado.


Referência:


BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz (português de Portugal). – 11ª ed. – Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 2007.

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