
Na verdade, quase todo mundo sabe onde pisa, ainda que não dê muita importância ao que está abaixo da linha do horizonte. Todo mundo sabe, ou, pelo menos, desconfia qual deverá ser o lado da corda que irá partir primeiro. Para aqueles que ainda não sabem, basta lembrar a fábula mitológica do Gavião e do Rouxinol, descrita em Hesíodo. A estória que envolve dois entes distintos em sua fisiologia e natureza. Enquanto o primeiro é agudo e voraz, o outro é alvo de contemplação, sendo um dos símbolos da beleza do canto das aves, sendo porém uma presa fácil aos predadores. Por isso, na fábula, recomenda-se mais prudência ao mais fraco na relação com os mais fortes. Tal relação, entre fracos e fortes, são repetidas em nossa sociedade e são algumas vezes nítidas e em outras, mais difíceis de perceber. Quando nítidas, são marcadas muitas vezes pelo ritmo do comportamento arrogante. Nesses casos, algumas pessoas, por estarem ocupando uma posição ou um papel social de destaque na sociedade, sentem-se mais dignas, mais qualificadas, enfim, superiores às outras pessoas. É possível, por exemplo, que um magistrado, eventualmente, flagrado em determinada situação delituosa pela polícia ou por um simples cidadão, diga em tom hegemônico um “Sabe com quem está falando?”. A essência dessa mensagem, a grosso modo é: “Eu tenho mais poder do que você. Não será bom para você um enfrentamento”. O interessante, nesse contexto, é quando a pessoa não percebe que o poder evocado por ela, genuinamente, não é dela, mas da sociedade, que a ela confere, desde que para o cumprimento dos fins destinados e não para satisfazer o próprio ego. Ele não sabe, por exemplo, que a autoridade reivindicada por ele somente é conseguida com a legitimidade, ou seja, com o consentimento da sociedade. Quando tal pessoa evoca o “Sabe com quem está falando?”, é provável e lamentável, que essa pessoa não tem qualquer noção ou identidade com o papel social que, talvez, somente por um (des)capricho da vida, representa. No crime de desacato à autoridade, da qual reclama, ele é acusação e defesa, vítima e réu. Isso, por que sem saber, na verdade, acusa a si mesmo. Reivindicar para si o respeito à autoridade funcional em um contexto de situação pessoal é um desacato.
Por: Paulo André
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