domingo, 8 de dezembro de 2019

O trabalhador na máquina de moer cana: uma reflexão sobre a exploração do trabalho a partir do poema de Celso Emílio Ferreiro Miguez.





*Pintura óleo e tela/Cândido Portinari.



Por: Paulo André dos Santos.

Celso Emilio Ferreiro Míguez (1912-1979) foi um escritor galego, fundador da Federação de Mocedades Galeguistas e do Patronato da Cultura Galega. Fez parte da geração pós-guerra (primeira guerra mundial). Fez parte da Geração de 36, movimento literário galeguista, da qual faziam parte também María Mariño, Álvaro Cunqueiro, Aquilino Iglesia Alvariño, Ramón Carballo Calero, X.M. Díaz Castro etc.
Celso Emílio Ferreiro adotava em suas contruções literárias uma linguagem coloquial, aproveitando de expressões idiomáticas. Não economizava no uso de recursos anafóricos e de paralelismos. Ao autor também utilizava com frequência o recurso da utilização de metáforas. Nesse processo, o autor buscava, a partir desses elementos, trazer uma perspectiva intimista e satírica.
Com o início do ciclo de ditaduras que ocorreram no mundo ocidental, a região da Galícia também foi afetada pela ditadura espanhola, Celso Emílio Ferreiro Miguez emigrou-se para Venezuela. em 1966. Em 1973, já de volta a Galícia, Celso Miguez foi professor de literatura galega, em Madrid.
Nesse sentido, ao refletir sobre o poema “Monóllogo de uma velho trabalhador”, pode-se inferir, logo em primeiro plano, uma crítica à relação de exploração a qual estão submetidos os trabalhadorres. A relação de trabalho é, para o sujeito que está sendo explorado, como um “moedor de cana”, que extrai o caldo e descarta o bagaço.
O personagem do trabalhador, na imagem poética construída por Celso Emílio Ferreira, pode ser lido como um sujeito expoliado dentro dentro da relação de trabalho. É como um condenado que acabou de termina o cumprimento de pena e, já do lado de fora da cadeia e de modo reflexivo chega a conclusão de que saldou a sua dívida com o Estado.
Por outro lado, o Estado, no entanto, está em dívida com ele. No caso do trabalhador, é possível presumir que a situação de exploração foi tão deletéria, que somente após cinquenta anos foi possível ao explorado perceber que o patrão está em dívida com ele.
E quando o inverno da vida lhe chega, o trabalhador percebe que a sua primavera se foi. O tempo passou e ele está velho, não somente pelo esvaziar da ampola do tempo, mas por que esse tempo lhe foi, particularmente, severo. O seu tempo e o tempo do patrão são muito diferentes. O tempo do trabalhador, devido à intensa expoliação que sofrera, correu a passos largos na direção da finitude.
Já velho, o trabalhador vai até a casa do patrão. O resultado, tal como aparece na primeira estrofe, o trabalhador, aguardando sob a luz do sol, diz “Pero até agora”. Essa expressão, é possível afirmar, denota que o patrão deixou o trabalhador esperando por um longo tempo do lado de fora da residência, sob a luz do sol.
Quando o trabalhador diz “...traballei cincoenta anos sin sosego. Comín o pan suando día a día nun labourar arreo…”, o autor consegue passar razoavelmente a impressão de que o personagem da enunciação revela através dessa frase - que poderia ser uma espécie ensaio solitário para quando encontrar o patrão, não esquecer de falar sobre o tempo em que esteve vinculado ao serviço e que, portanto, não mereceria tal falta de consideração.
E nesse processo de divagação, o trabalhador, refletindo sobre a espera diz, “...Ben pensado, o patrón todo mo debe. Eu non lle debo nin xiquera iste sol que agora tomo. Mentras o tomo, espero”. Nessa passagem, o trabalhador revela que nada deve ao patrão e por isso, não haveria de estar “pagando” a espera sob o sol. Se teria alguém em dívida, seria o patrão, concluiu o velho trabalhador, mas ele, pela razão justa de cobrar ao patrão, esperou. Inocentemente, esperou - como a cana espera pelo facão.

====================================
Íntegra do Monologo do vello traballador. Disponível em
http://sondepoetas.blogspot.com/2011/06/monologo-do-vello-traballador-celso.html


Nenhum comentário: