"Um texto é muito mais do que um simples conjunto de palavras, é um organismo vivo, uma ontogênese, que carregam consigo visões, sentimentos e utopias". Autor:Paulo André Seja bem vindo!
quinta-feira, 26 de abril de 2012
RESENHA - NARRADORES DE JAVÉ
REFERÊNCIA: Narradores de Javé. Gênero:Comédia. Duração:100min.Lançamento(Brasil): 2003. Distribuição: Lumière e Riofilme. Direção: Eliane Caffé. Roteiro:Luiz Alberto de Abreu e Eliane Caffé. Produção: Vânia Catani e Bananeira Filmes. Co-Produção: Gullane Filmes e Laterit Productions. Música: DJ Dolores e Orquestra Santa Massa. Som: Romeu Quinto. Fotografia: Hugo Kovensky. Direção de arte: Carla Caffé.Figurinista: Cris Camargo. Letreiros: Carla Caffé e Rafael Terpins. Edição: Daniel Rezende.
RESENHA
Ao abordar sobre o filme “Narradores de Javé”, dirigido por Eliane Caffé, sob uma
perspectiva linguística, tem-se a oportunidade de tecer diálogos com a linguagem popular,
oriundas de territórios dentro do Estado brasileiro aonde a presença da escola, enquanto
instrumento homogeneizante, não tenha se concretizado.
O filme em questão remonta a saga da pequena cidade de Javé, que foi inundada devido a
construção de uma barragem de hidrelétrica. Curiosamente, caro leitor, essa história tem algo
de semelhante a que, atualmente, está sendo vivida pela população do entorno da hidrelétrica
de Belo Monte, no Pará. Alías, como todas outras comunidades que se viram obrigadas a
sairem das terras em que viviam.
Em Javé, a consequência foi o fim da cidade. Os seus habitantes tentaram produzir um
argumento que impedisse a extinção da cidade, mas, limitações quanto à falta de registro
quanto à memória histórica da cidade, talvez, tenha sido o maior obstáculo. Na referida
conjuntura, todos sabiam que a cidade surgira como consequência de batalhas heróicas.
Entretanto, em virtude do dinamismo da semântica produzido pela linguagem oral, gerou uma
cidade “javélica” com múltiplas histórias, cada um com suas significações próprias, porém,
todas, convergindo para, como referido antes, um processo épico.
Desse modo, para impedir a extinção da cidade, líderes da população recorreram ao Pedro
Biá, personagem representado pelo ator José Dumont. Um empregado dos Correios, que tinha
sido expulso da cidade em virtude de ter feito, a defamações fraudulentas de grande parte
população. Desta vez, a cidade estava precisando muito de Pedro Biá, pois, mais ninguém na
cidade sabia ler ou escrever. Dinante disso, Biá retorna a cidade com status de salvador da
pátria.
Assim, o personagem foi realizando uma série de entrevistas com os moradores mais
antigos. Sempre, sugerindo a modificação de um ponto ou dois, da história contada. Na
verdade, A figura de Biá denotou descrença quanto ao alcance da missão que lhe haviam
determinado. Isso se deu, em parte, também, devido a falta de fidelidade entre as histórias
contadas. Enquanto que em uma entrevista, por exemplo, o herói é um homem, em outra o
vulto histórico é representado por uma mulher.
Além disso, foi constatado pelo personagem que em cada história, o herói tinha um nome
diferente, apesar de parecido. Nesse sentido, surgiu pronuncias tais como: Idalécio, Indalécio,Indaleu.... A saga de Javé, oralizada pelos seus habitantes, reflete muito o antigo clichê de que “que conta um conto, aumenta sempre um ponto”.
Outro ponto interessante no filme é a rica variedade linguística que caracterizam a oralidade
do povo de Javé. Como “quem conta um conto, aumenta sempre um ponto”, as pessoas ouvem
uma palavra, em um contexto como o de Javé, ou até em contextos mais atingidos pela língua
normativa, acaba dando a ela uma nova pronuncia, um novo sentido.
Assim, foi com a expressão “Forró”, utilizada para representar uma das festas típicas do Brasil. Diz a históriaque, na verdade, a referida expressão descende de “For All”, que quer dizer para todos.Desse modo, pode-se perceber, independente de determinados contextos, que a língua é um processo, não algo que possa ser imortalizado. Ela é atualizada o tempo todo, de forma a se adequar ao contexto.
No contexto de Javé, percebe-se que o socioleto falado pelos habitantes
constitui-se em uma variedade linguística produzida, preponderantemente, pela ausência
institucional da linguagem normativa, da escola, por exemplo. Pessoalmente, concordo com Bagno (2007), quando diz que expressões e grafias que fogem à norma padrão podem não estar de acordo com tal convenção, mas, sob o ponto de vista linguístico, encontra-se em perfeita ordem, pois, cumpre a finalidade ao qual foram-lhe atribuídas, a comunicação. Nota-se que em Javé, todos conseguem se comunicarperfeitamente.
A falta de correspondência entre a línguagem praticada pelos moradores e as regras da língua oficial, não impede, nem tampouco prejudica o desenvolvimento das interações entre os cidadãos. Portanto, para mim, a produção filmica em questão, sob o viés da linguagem, demonstra que a língua escrita é de grande relevância para a afirmação dos sujeitos na sociedade, uma vez que, a estrutura de organização social exige, para que se possa validar, a documentação dos fatos e acontecimentos.
A variação linguística, como um resultado e um processo decorrente de influências
inúmeras, pode acontecer em contextos em que o desenvolvimento social e econômico esteja
aquém do que se tem por “regra”. Além disso, existe a questão geográfica, que também influencia, por meio das condições de território.
Portanto, a questão das diferenças linguísticas entre regiões, entre segmentos sociais, entre grupos de diferentes idades não se constitui em um motivo para mover-se no sentido de eliminar tais particularidades, tidas como “desvios”. As variações que ocorrem dentro de uma mesma língua são estágios evolutivos que estão acontecendo ao mesmo tempo,em lugares e ritmos diferentes.
REFERÊNCIA:
Narradores de Javé. Gênero: Comédia. Duração: 100 min. Lançamento(Brasil): 2003.
Distribuição: Lumière e Riofilme. Direção: Eliane Caffé. Roteiro: Luiz Alberto de Abreu e
Eliane Caffé. Produção: Vânia Catani e Bananeira Filmes. Co-Produção: Gullane Filmes e
Laterit Productions. Música: DJ Dolores e Orquestra Santa Massa. Som: Romeu Quinto.
Fotografia: Hugo Kovensky. Direção de arte: Carla Caffé. Figurinista: Cris Camargo.
Letreiros: Carla Caffé e Rafael Terpins. Edição: Daniel Rezende.
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é e como se faz. São Paulo: Edições Loyola:
São Paulo, 2007.
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