Por: Paulo André dos Santos
Há alguns anos, uns seis ou sete, aproximadamente, assisti um documentário sobre o legado de Paulo Freire, para o universo da educação. A Tal produção fílmica remonta aspectos marcantes da vida de Freire, desde a mais tenra infância. O material traz, ao longo de sua sequência, uma série de depoimentos, de certa maneira, biográficos de Freire. Em um desses depoimentos, no qual, o próprio Freire testemunha, revela-se a experiência significativa que ele teve com os trabalhadores. Nessa palestra, Freire compreendeu a situação-limite, a qual os trabalhadores estavam submetidos, constituindo-se como um obstáculo à emancipação política deles. Tal situação-limite, a que se refere Freire, ou seja, as condições adversas à progressão educacional, vou chamar aqui de “Territórios do Espaço-Tempo”. É imprescindível, admitir, a fim de não decepcionar-te, caro leitor, que não se trata da Teoria da Relatividade, de Einstein, embora fosse desafiador estimular tal discussão. Peguei o termo “Espaço-Tempo”, do referido cientista, por entender que se tratam de variáveis que são fundantes desta discussão. Ao retomar Freire, somente para não deixar escapar o motivo da alusão, conforme o referido autor, a realidade do estudante – ou educando -, deve ser necessariamente o ponto de partida para o desenvolvimento de uma educação libertadora. Ao pensar nisso, analisando o contexto do estudante universitário noturno, empiricamente, pode-se inferir que, de maneira geral, encontra-se aprisionado em territórios do espaço-tempo. Isso acontece, em decorrência das possibilidades ofertadas, somente em determinados espaços e restritos a uma “geografia do tempo”. Uma constatação importante, nessa discussão, é que a maioria dos alunos noturnos das universidades, tanto públicas quanto privadas, normalmente, são, ao mesmo tempo a-lunos e trabalhadores. Não há como desconsiderar esse dado, caro leitor, sob pena de prejudicar os rumos da discussão em pauta (alunos e trabalhadores, ao mesmo tempo). Deste modo, não seria nenhum absurdo indagar: que implicações essas situações-limites ou territórios do espaço-tempo - como prefirir, trazem para a qualidade da formação desses estudantes? E diante disso, quais são as possibilidades que são colocadas para eles? Em primeiro lugar, no que diz respeito à formação dos estudantes-noturnos, pode-se dizer que ela é notoriamente empobrecida, haja vista, a redução considerável de possibilidades acadêmicas, que, conforme mencionado anteriormente, estão restritas em determinados territórios de espaço-tempo. O que acontece de substancial na vida acadêmica, certamente, ocorre durante o dia, portanto, inacessível ao a-luno noturno. Nesses anos de vida acadêmica, que estou a experimentar desde 2006, com muito sacrifício - ou seja, lá se vão quase dez anos de estudos acadêmicos -, posso afirmar, seguramente, que o tempo da “boemia acadêmica” é diurno. Durante o dia, inclusive, o leque de escolhas são maiores. Ao a-luno noturno, restam as sobras, aquilo que, na verdade, tem-se em abundância nos outros horários. É bom lembrar que nos últimos anos, com a ampliação do acesso aos cursos noturnos, nas universidades públicas, o número de estudantes universitários – é verdade -, ampliou-se consideravelmente. Em contrapartida, o que está sendo ofertado, em termo de possibilidades a esses alunos é algo para se refletir. Existem sim, possibilidades, mas restritas em um território bem demarcado, no espaço-tempo. Anos atrás, lembro-me, agora, li um livro sobre didática que, de alguma maneira, contava a história da educação brasileira - desde o Ratio Studiorum, da educação jesuítica até os tempos atuais. Nessa obra, conta-se que quando a educação passou a ser um direito de todos, ao invés de se construir uma democracia educacional, ou seja, oferecer o que havia de melhor em educação para todos, fizeram da educação uma coisa menor. Em outras palavras, optaram pela mediocridade. E pensando nisso, a extenção dessa pretensa democracia educacional para o ensino, dito, Superior, torna-se o meu mais iminente temor. E isso se justifica, ao se levar em consideração os territórios do espaço-tempo, na forma que tenho referido. O estudante noturno das universidades é comparável ao segmento dos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), ainda que estejam em estágios distintos. Trabalhar e estudar à noite se constitui em uma situação limitadora das possibilidades dos estudantes. Mas, como sair desse limite sem uma proposta diferenciada de abordagem pedagógica? É adequada, uma mesma abordagem pedagógica para estudantes diurnos e noturnos? Será que o conteudismo expositivo é uma proposta interessante para os alunos noturnos? Acho difícil, aplicar uma mesma solução, para problemas tão diferentes. Apesar disso, ainda conservo a esperança colorida de uma criança. Conservo, ainda, a esperança de que algo relevante aconteça para que os a-lunos noturnos possam deixar de ser (a-lunos) para se tornarem fontes de luz, tais como, as “estrelas diurnas”. Os dilemas atuais da educação, que compõem os dilemas atuais da sociedade, fazem parte do espírito de nosso tempo e, sendo assim, prefiro acreditar, tal como, Heráclito, que “Tudo flui”. E enquanto as coisas fluirem, a esperança ainda será um sentimento viável.
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