terça-feira, 29 de setembro de 2009

Entre o sonho e a dolorosa realidade.


POR: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS.

Quando a vida começa, quando inaugura um novo ser neste mundo, é tão poética quanto as flores que escorregam levemente pelos rios do Amazonas. É de uma beleza triunfal, sublime e milagrosa. Assim que a vida transborda da caixa de Pandora, instaura-se o sagrado e a veneração de todos. Nesse momento, cessa-se a guerra e o luto, dá-se uma trégua à esperança, permitindo a todos os novos, por alguns anos, o direito de sonhar e de voar indefinidamente pelo azul celeste. Mesmo que a pobreza – em um sentido amplo – diga o contrário, todo ser novo, de início, sente a esperança de ser amado por Deus. Sente a esperança de vingar gloriosamente como uma flor dentre os espinhos. Entretanto, chega-se o momento do abandono e do esquecimento. Chega-se ao instante em que se tem a impressão de ruptura com a divindade. Momento, sobretudo, em que murcham as flores da inocência, em que se percebe que dor de verdade é aquela que penetra na alma e que nos roubam a esperança. As lágrimas do desalento explodem em nosso peito. Uma mistura de ódio e desespero toma conta da razão. É quando diz-se que “Menino Jesus não gosta de mim”. Foram tantos os pedidos. Foram tantas as orações. Mesmo assim, nesta manhã, toma-se o cálice da amargura e a fome corrói a mais viva dignidade. É possível avistar os meninos que andam perdidos pelas ruas. Perdidos de pais, de mães, de esperança, de uma morada. Meninos como Zezé, que criaram em torno de si uma Laranjeira-lima. Meninos que tem em seu natal de cada dia a humilhação do desperdício alheio. Aqueles meninos, que não conheceram o pai, a mãe, que não tiveram durante maior parte da infância, roupas para vestir, livros para estudar e sonhar. Não tiveram um amigo Xururuca para compartilhar de suas tristezas, nem de alguém que lhe estendesse sequer a mão. Todos esses meninos nascem encharcados de esperança, mas, a vida, com o passar do tempo, faz amarelar suas folhas verdes. A sua árvore vai morrendo, secando, definhando diante de uma terra tão seca e ingrata.

Referência:

VASCONCELOS, José Mauro de. O meu pé de laranja lima. Ilustrações de Jaime Cortez. – São Paulo: Editora Melhoramentos, 2005.

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