quarta-feira, 31 de março de 2021

Cicatrizes








*Fonte da imagem: pixabay.com

De cor sabemos,

Os sinos que dobram,

As flores que abrem,

As palmas que acolhem.

          ***

De cor sabemos,

das portas abertas,

do manto do mundo, 

Da dignidade torta, incerta e moribunda.

          ***

De cor sabemos, 

Mais beleza e mais natureza,

Há nos pés descalços e mãos calosas.

          ***

De cor sabemos,

O milagre das casas pobres,

A pedra onde floresce a espiritualidade,

Que as cicatrizes da terra são as testemunhas mais eloquentes

Da barbárie que nos subjuga, que nos humilha e nos mata. 

quarta-feira, 24 de março de 2021

Janela

 














*Fonte: pixabay.com




Goiabas e carambolas,

Andar descalço na praia,

Farofa, marisco, bóia,

Peixe frito, guaiamum, arraia.



Papel de pão, lápis, escola,

Crianças saltitantes a descer a ladeira,

Borboletas, cavalinhos e louva-deus,

No ninho do pássaro, os segredos teus.



Banana, suco, jaca-madura,

Comer com os olhos,

O mico, o galho, a queda, o escuro.



Volto a mim, na cadeira,

Desperto no caderno vazio,

Corro contente, é recreio.


(Autor: Paulo A. Santos)


domingo, 14 de março de 2021

Torto arado: identidade, terra e ancestralidade


Fonte da imagem: https://jornal.usp.br/


Por: Paulo A. Santos.

Sempre ouvi dizer que ‘Deus escreve certo por linhas tortas’. Toda vez que eu escutava isso, geralmente, as pessoas estavam diante de uma situação difícil, que de certa forma não ia bem no momento. Talvez, as pessoas digam isso para consolar alguém ou para preservar um clima de otimismo com relação ao futuro.


No entanto, ao refletir sobre o roteiro seguido na obra literária Torto arado, de Itamar Vieira Júnior, embora reconhecidamente ficcional, a história apresentada pela obra é emblemática sobre o Brasil de ontem e hoje. Temas como identidade, terra e ancestralidade percorrem a narrativa do romance em toda a sua extensão.


A relação com as forças místicas da natureza também se fazem presente na história, bem como, a tradição do uso de ervas medicinais no tratamento de enfermidades. A existência de uma autoridade espiritual na comunidade também é um aspecto que compõe a atmosfera simbólica da narrativa.


Mais do que uma ficção sobre uma determinada comunidade quilombola do país, a obra desvela relações de exploração das famílias que trabalham na zona rural do país, submetendo-se, muitas vezes, pessoas a condições degradantes e precárias.


Apesar da existência de um ente apaziguador das relações estabelecidas entre os trabalhadores e o gerente da fazendo é um elemento que corrobora com a ideia de providência espiritual para as necessidades da comunidade. 


Como não era possível encontrar a paz no desequilíbrio das relações entre a gerência da fazenda e a masssa de trabalhadores, somado à acumulação de uma massa crfítica entre os trabalhadores, tornou-se possível o surgimento de um movimento operário-rural, a fim sanear as críticas condições de vida dos trabalhadores da fazenda. 


E como gatilho para isso, as novas políticas implementadas pelo novo proprietário da fazenda, que, em certa medida abalou as estruturas das relações da comunidade de trabalhadores com a identidade e a ancestralidade que até então eles mantinham com relação à terra.

Como dito antes, apesar de se tratar de uma obra ficcional, sua narrativa é instigante, de modo que é capaz de latejar as veias das relações comunitárias com a sua ancestralidade, mas também contribui para fomentar  uma reflexão das pessoas com relação ao presente de suas comunidades assim como o passado e o futuro.


O seu efeito, para além da literatura, espraia-se de modo pedagógico sobre a necessidade de se organizar socialmente, de forma a gerar uma energia social capaz de empreender lutas históricas. Torto arado é, nesse sentido, reflete uma expressão literária capaz de espetar a realidade, não só defendendo relações identitárias com a ancestralidade, mas também convidando-nos a defendê-las