sexta-feira, 4 de julho de 2014

Travessias


Lá vem o homem sobre o mar, lá vem, no barco. Lá vem caminhando sobre as águas, sem se molhar. Atravessa o mar sem um só mergulho, só a navegar. E navegando sobre o mar, percorre os oceanos, visita terras longínquas, sem, contudo, conhecer o mar. (Paulo André)

terça-feira, 24 de junho de 2014

A luz do tempo


Assisto atônito, sem entretanto conseguir acompanhar, o rastro de um feixe luminoso, que atravessa o tempo presente, tal como um raio milagroso que desce das nuvens. Tão rápido e tão violento que pode iludir o mais lúcido pensamento. Se vejo ou se não vejo, cá estou, mergulhado em um profundo misto de medo e coragem. Até que me pergunto, em meus pensamentos mais íntimos: quem realmente sou eu? E o que sinto diante do que vejo - ou do que não vejo?

Não me diga que é das estrelas

Por: Paulo André dos Santos.
Nos dias atuais, presenciamos notícias de lugares em todo o mundo. Notícias de fatos e acontecimentos recheados com altas doses de radicalismos, de intolerância, de violências. Mergulhadas nesse contexto, as identidades dos sujeitos são constantemente implodidas, provocando novos arranjos de comportamento social, banhadas pelo sangue da guerra. A guerra abre chagas difíceis de sarar. Traumas psicológicos atormentam a mente dos sobreviventes. São anos de reconstrução, isso por que até as estruturas mais básicas das cidades foram destruídas. A rede de esgotamento sanitário, as ruas, as escolas, as fábricas, as instalações hospitalares, tudo foi destruído. Anos se passam, as cidades vão renascendo. O país vai renascendo. Uma nova sociedade surge. Daí, chegam os oportunistas, capitalistas. Prometem consertar tudo. De fato consertam. Por outro lado, os valores transmitidos pelas gerações passadas desmoronam diante do bombardeio promovido pela indústria cultural, a fim de intensificar as relações de consumo, a fim de bases fortes de consumo para a atividade econômica. O Individualismo, então, é promovido ao status de novo agente hegemônico. Seu espírito afetaria desde à esfera familiar até o corpus social. Floresceria, assim, uma nova civilidade. A esfera da política não seria muito diferente. Os interesses pessoais passariam a ser constantemente evidenciados, em detrimento de aspectos que atingem diretamente à coletividade. Mas felizmente o legado da guerra está ali. Todos se lembram. Os mais velhos fazem questão de lembrar. O povo se une em torno disso de modo que fica difícil pensar os sujeitos senão como membrana da sociedade. Se por um lado somos felizes por não termos sofrido os horrores de uma guerra de proporção mundial, mas de certa maneira, perdemos, também, um pouco da força que a experiência da guerra alimentou nos povos afetados. Carecemos um pouco dessa força. Temos orgulho de sermos uma democracia, mas apesar disso, uma democracia que já nasceu algemada. Somos privados da cidadania, apesar de sermos cidadãos. Por sermos uma democracia representativa, elegemos periodicamente pessoas para nos representar. Pessoas que se candidatam a partir dessa obrigação moral e institucional, mas que ao serem investidos no cargo, esquecem da promessa que fizeram. Ainda assim, de quatro em quatro anos, num lapso de esperança, a maioria dos brasileiros saem de suas casas para votar. Então, traímo-nos. Enganamo-nos. Tudo para que, pelo menos, em um curto período possamos sentir o esplendor da primavera. Dela somos dependentes. Aquela mistura de cores e flores, de certa maneira nos dá a sensação de vivência sublime. Por outro lado, como toda estação, a primavera sempre acaba e, miseravelmente, leva tudo consigo. Restando-nos, apenas a resignação e a paciência de esperar um alento para a vida. No fundo de nosso mais íntimo pensamento sabemos. Temos alguma noção do que está por vir. Sabemos - e muito bem, qual será o desfecho da história, mas recusamos simplesmente admitir. Tudo por causa de uma desgraçada esperança que nos faz adiar uma atitude ou um manifesto. Nossa história teve um início e, provavelmente, terá um fim. Nós não escolhemos nascer aqui. Fomos certamente escolhidos, eleitos para nossos papéis figurantes. Contudo, ao observarmos, somos conduzidos à constatação de que não existe o fim, mas, novos começos. A história está escrita, o roteiro já está pŕonto, mas ainda é possível acrescentar algumas linhas. É possível acrescentar fatos que podem produzir algum reboliço, um revés interessante na história. O perigo de começar a escrever é o de não conseguir parar. É preciso reescrever algumas palavras, dar novos contornos. Cidadania, por exemplo, em nossa mente, é muito mais um conceito jurídico do que propriamente uma construção social. Por quê? Simplesmente, por que é permitido reinvindicar mas seguindo os trâmites judiciais. Fazer movimentos de protestos, por exemplo, pode ser visto como perturbação da ordem pública. Curiosamente, não consideram perturbação da ordem pública um desfalque de milhões dentro da máquina governamental. Desvio de verbas, super-faturamentos, fraudes em obras públicas, isso tudo, não é perturbar a ordem pública? Infelizmente, há uma distorção na interpretação dos fatos. Provocar prejuízo ao patrimônio de milhões de pessoas é algo surpérfluo, mas reclamar o prejuízo é perturbar a ordem pública. Desnudar o próprio corpo em local público é atentado ao pudor, ou seja, uma violência ao juízo moral do outro. Em contrapartida, na televisão e na Internet, essa mesma nudez é permitida, negligenciada. A prisão pode parecer pouco para quem cometeu um crime contra outra pessoa, mas também pode ser vista como uma medida excessiva para quem cometeu crimes contra o sistema financeiro da nação. Aonde estão os pesos? Quais são as medidas? Por nossa vida política é tão infame? Por que somos tão carentes de ecos mais vibrantes? Por que tanta promiscuidade nos negócios da política? Como está a Educação e a Saúde? Para onde vai tantos impostos? Com certeza, se fosse para o bem, tudo bem. Infelizmente, bem mesmo está difícil de ver. Nunca bateu na minha porta. Digam-me: de quem é a culpa? Não me diga que é das estrelas.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

A exceção e a regra

Primeiramente, ao traçarmos os limites semânticos para a regra e a exceção, podemos dizer que regra, neste contexto, é algo consumado, que já se aplica de forma hegemônica na realidade. A regra, aqui, como uma concepção naturalizada de determinado objeto. Em outras palavras, aquilo que já é um consenso das maiorias. Aqui, a regra é a lei. Por outro lado, existem circunstâncias em que é necessário conceder um ou mais casos de exceção. Trata-se de situações em que a regra é subjugada às raras situações, casos  fortuitos, muito difíceis de acontecer. Essas são geralmente enquadradas como casos de força maior. Ou seja, de situações inevitáveis. Para tais casos, mediante exaustivas analises, podem ser estabelecidas exceções. As exceções são assim estabelecidas. O problema das exceções é muitas vezes germinado justamente no momento em se analisa e se compara as ocorrências com os casos de exceção. Se não há rigor nessa análise; se há displicência na comparação, o diagnóstico da situação é comprometido. Diante disso, corre-se sério risco de se borrar as fronteiras estabelecidas entre a exceção e a regra. Assim, tornar-se-ia difícil a distinção, de modo que, para quem observa, a imagem, certamente, seria caótica. É por isso, que existe uma forma específica na elaboração das leis. A leis precisam possuir um discurso fundado situado minuncia e na clareza. Pois quando isso não acontece, é iminente o perigo do vício. O vício, fundamentalmente, é a falta de critério, a falta de assimilação, a falta de uma atitude coasiva, no sentido de defender os limites que separam a regra da exceção.

Gritos na academia

O pavilhão de aulas estava um deserto naquele dia. Havia chovido muito. O prédio estava praticamente vazio. Muitas salas estavam possuídas por um silêncio mórbido. Essa ausência de sons e de calor humano era ao mesmo tempo inquietante e inspiradora. Estamos geralmente tão acostumados ao barulho poluente da cidade, que, não raras vezes, ao nos depararmos com um silêncio totalizante, sentimo-nos, em alguma medida, aterrorizados. Os barulho excessivo é perturbador, mas o silêncio profundo pode ser muito pior. Lembro-me que caminhava pelos corredores do pavilhão em busca de uma alma. Procurava alguém que me situasse no que ali se passava. Eu estava meio perdido, confuso com toda aquela circunstância. Luzes opacas, vento frio e aquele corredor fúnebre soava um tanto estranho. Eu ia subindo, percorrendo os andares, quando repentinamente, um vigoroso grito rasgou o silêncio. Eu estava ali, caminhando, na esperança de encotrar alguém, mas não pensei que seria dessa forma. Aquele grito vindo da escuridão foi a gota d'água. Sai na direção do ocorrido, a fim de verificar se alguém precisava de ajuda. Acelerei o passo, entrei em uma sala que estava meio aberta. Nada havia. Nem mulher em apuros, nem qualquer outra pessoa. Isso foi assustor. Perguntei-me se realmente havia escutado aquele grito. Desci aos outros, percorri novamente os corredores, contudo, toda essa ginástica foi em vão. O pavilhão estava vazio. Não vi sequer o pessoal da segurança; ou, mesmo o pessoal do apoio administrativo. Mas de onde será que veio aquele grito? Tenho certeza de que, apesar do susto, ouvi aquele grito. Comecei a olhar ao redor do prédio. Estava escuro. Eu usava a fraca luminosidade do celular. Fui dando a volta no prédio, até que um novo grito. Naquele momento, o grito foi ainda mais forte. Soou o som de tambores, acenderam-se tochas de fogo. Um círculo de pessoas e uma mulher ao centro. Seria assustador se não fosse apenas uma performance teatral.

terça-feira, 3 de junho de 2014

A democracia do medo

Dizem que vivemos um momento democrático. Este tempo é frequentemente visto sob a aura da liberdade. Hoje em dia, as pessoas se sentem livres, para se expressarem, para participarem mais ativamente do processo de construção da sociedade. Em contrapartida, o que é uma percepção comum às pessoas de nosso tempo, não encontra eco suficiente na realidade. Pouco se reflete sobre o que é de fato a liberdade, assim como, é ínfima e muitas vezes infértil a quantidade de reflexões que elaboramos sobre democracia. Refletir sobre esta palavra é, aparentemente, algo de pecaminoso. A democracia é como dito por Saramago, "como uma santa no altar". A democracia é de certa maneira sacralizada na esfera da representação. Constantemente, repetimos o clichê, "Estamos em um país democrático". A ideia de democracia parece fazer parte do senso comum. Por outro lado, sabemos o que realmente é democracia? Ou sabemos somente a noção de democracia que nos ensinaram? Diante dessas perguntas, resta-nos responder outra: somos democráticos? Recentemente completaram-se cinquenta anos do início da ditadura militar. Será que já nos livramos de todos os nossos medos e traumas? Será que já superamos essa chaga em nossa história? Ou estamos a fazer uma democracia do medo? É possível uma democracia com cidadãos medrosos? É possível uma democracia sem uma cidadania corajosa? Como é possível sermos livres se encarceramos ainda o medo dentro de nós? Como superar a prisão mais eficaz que existe? Como podemos superar o eco de uma sociedade do medo? Como podemos superar medos tão capazes de transformar um direito em uma dádiva? Como superar medos capazes de transformar nossos servos em senhores? O dia em que conseguirmos respostas legítimas para essas perguntas, teremos condições de apreendermos a ideia mais apropriada do que é democracia.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

O problema da balança.


POR:PAULO ANDRE DOS SANTOS.
Recentemente, os brasileiros tem acompanhado pelas redes de TV, pelo rádio e pela Internet o desfecho do julgamento dos envolvidos no mensalão. É certo que, em nenhum outro momento da história política do país o tema da corrupção foi colocado sob tão fortes holofotes. Debates e discussões enérgicas serviram de combustível para muita audiência nos meios de comunicação. Entretanto, até o momento presente, em que vários crimes praticados pelos mensaleiros já avistam no horizonte o tempo de caducar, ninguém foi efetivamente preso. Muitos diriam: mas a justiça é lenta. Será mesmo o nosso sistema judiciário ineficiente? Inevitavelmente, para que se obtenha uma resposta isenta para essa pergunta, só mesmo relativizando. Aliás, é possível que a relativização faça parte da essência da atividade jurídica. Talvez por isso quase ninguém entenda quando se diz que “A justiça é cega”, já que, notoriamente, trata à força do martelo as camadas mais pobres e com flexibilidade os mais poderosos. Dessa maneira, um delito pode ter um desfecho diferenciado. Tanto que critérios considerados para manter ou não alguém em regime de reclusão em alguns aspectos ligados à situação econômica da pessoa, por exemplo, trabalho, residência fixa, escolaridade. Se tem trabalho, residência fixa, pode ser solto. Se estiver desempregado, ocioso, permanece na cadeia, na maioria das vezes. Isso é a relativização dos fatos. A realidade nua e crua é assim. O crime não é só o crime, mas também as condições concretas de existência do suspeito. É a tal relatividade. Assim, justamente por ser relativizável é que se pode confirmar que “A justiça é cega”. A incompreensão talvez resida no fato de que a sentença esteja mal formulada ou incompleta. Na verdade, dever-se-ia dizer que “A justiça é cega…”. Talvez tenham esquecido - (quem sabe), de denunciar que tal enunciado possui lá suas reticências. Uma coisa é dizer que “A justiça é cega”. Outra coisa é afirmar que “A justiça é cega…”. Míseras reticências! Que falta faz afinal? Três pontos! Que significância eles tem? Todavia, como se afirma em geometria, um ponto é sempre a interseção entre pelo menos duas retas. Então, em um ponto pode passar infinitas retas. Imagine por três pontos! Nesses três pontos, que agora não lembram nem de longe a inanição da miséria, escondem-se inúmeros fatos, obscuros ou não. Por causa desses pontos compra-se o comprador. Por causa desses pontos o trabalhador paga para trabalhar. Por esses enganosos pontos, o corrupto sai de um escândalo como vítima, talvez até, como herói. Por causa desses pontos, torna-se o culpado inocente. Então quando refletirmos sobre casos que vem a tona e chocam a sociedade, como o caso dos mensaleiros, por exemplo, devamos ter, pelo menos, uma certeza: se (per)seguirmos a linha até a sua origem, percebemos que ela nos levará a um novêlo. O que isso quer dizer? Na verdade, basta dizer que existem mais envolvidos em toda essa sujeira, do que realmente se apresenta. Os que foram levados à julgamento são lembrados. Com isso, mata-se a sede de vingança social. O clamor popular enfim se acalma e a opinião pública sente-se por satisfeita e desaparece. Ironicamente, no momento em que tudo parece vir à tona, publicamente, é este o momento em que estamos sendo privados mais violentamente da verdade. Pois relativizando: não existem verdade, mas verdades. Então, nesse caso, existirá pouco espaço para as mentiras. Por que todo objeto pode ser reduzido a uma figura plana, arbitrariamente. Ou, também, pode ser considerado em suas dimensões múltiplas. Isto é, todo objeto pode ser relativizado. Ao analisar a justificativa do último voto, do ministro Celso de Melo, sobre os embargos infringentes, penso que o exemplo do objeto multidimencional pode até para compreender a divergência de posicionamentos entre os juízes do supremo. Isso explica de maneira mais ampla, considerando outros casos jurídicos, a diversidade de posicionamentos de juízes para casos semelhantes. É como na culinária, que a mesma receita pode ter sabores diferentes, a depender de inúmeras variáveis, tais como, a cozinheira, a qualidade dos ingredientes, a temperatura etc. A lei é uma, como a receita, mas na prática pode ser diferente. Em outras palavras, o campo jurídico não está inserido no universo das ciências exatas. Não existe um peso, mais inúmeros pesos, inúmeras variáveis que pesam. Umas são de peso, outras nem tanto. Ainda que fosse do mesmo peso, talvez, a tara da balança seja diferente. Tais variáreis, inscritas nesse círculo de relativismo um tanto caótico, tem o poder de influenciar o destino de um réu, inocentando-o ou condenando-o à reclusão. A diferença entre um condenado entre um condenado e um absolvido são as reticências. O problema da reticência é que ela nem sempre se mostra reticente. Em alguns casos, ela se encontra silenciosa e invisível aos nossos olhos e como somente olhamos para aquilo que podemos ver, ela passa desapercebida na maioria das vezes. Nela reside o conteúdo da ideologia, do inaudito, o que é indizível, a fim de preservar interesses obscuros. Tais interesses buscam a dominação e silenciamento das vozes que adormecem no silêncio. Só por isso, o silêncio frio e tenebroso permanece. Assim, como dito antes, um julgamento leva em consideração determinadas variáveis, sobretudo as de maior peso… o problema não está exatamente nas circunstâncias, mas na balança.

sábado, 19 de abril de 2014

Do outro lado da rua.


Entre legal e ilegal,
Moral e imoral,
Certo e errado,
Bem e mal,
a linha e o ponto,
Tênue encontro-desencontro.

Quem está certo?
Quem está errado?
Dois pontos de vista.
Muito, pouco, talvez um bocado.

Será que estamos míopes ou onividente?
Lúcidos ou possuídos de loucura?
Ou seria nossa pobre visão embassada,
Névoas de uma sociedade obscura,
Ou ainda, nossa amargura.

O que seria mais certo ou incerto?
A precipitação de uma luta sem causa, ou,
A demência anunciada de uma causa sem luta?
Entre certo ou errado, vai variar.
O certo é que toda boa árvore traz consigo
as sementes  de bons frutos.

A menor distância entre opostos não é necessariamente extrema, mas tênue,
sem medida, sem régua, sem compasso.
Sem diferença significante, irrelevante,
Pensando bem, inexplicavelmente,
o igual pode ser diferente.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Desacato à autoridade.


Na verdade, quase todo mundo sabe onde pisa, ainda que não dê muita importância ao que está abaixo da linha do horizonte. Todo mundo sabe, ou, pelo menos, desconfia qual deverá ser o lado da corda que irá partir primeiro. Para aqueles que ainda não sabem, basta lembrar a fábula mitológica do Gavião e do Rouxinol, descrita em Hesíodo. A estória que envolve dois entes distintos em sua fisiologia e natureza. Enquanto o primeiro é agudo e voraz, o outro é alvo de contemplação, sendo um dos símbolos da beleza do canto das aves, sendo porém uma presa fácil aos predadores. Por isso, na fábula, recomenda-se mais prudência ao mais fraco na relação com os mais fortes. Tal relação, entre fracos e fortes, são repetidas em nossa sociedade e são algumas vezes nítidas e em outras, mais difíceis de perceber. Quando nítidas, são marcadas muitas vezes pelo ritmo do comportamento arrogante. Nesses casos, algumas pessoas, por estarem ocupando uma posição ou um papel social de destaque na sociedade, sentem-se mais dignas, mais qualificadas, enfim, superiores às outras pessoas. É possível, por exemplo, que um magistrado, eventualmente, flagrado em determinada situação delituosa pela polícia ou por um simples cidadão, diga em tom hegemônico um “Sabe com quem está falando?”. A essência dessa mensagem, a grosso modo é: “Eu tenho mais poder do que você. Não será bom para você um enfrentamento”. O interessante, nesse contexto, é quando a pessoa não percebe que o poder evocado por ela, genuinamente, não é dela, mas da sociedade, que a ela confere, desde que para o cumprimento dos fins destinados e não para satisfazer o próprio ego. Ele não sabe, por exemplo, que a autoridade reivindicada por ele somente é conseguida com a legitimidade, ou seja, com o consentimento da sociedade. Quando tal pessoa evoca o “Sabe com quem está falando?”, é provável e lamentável, que essa pessoa não tem qualquer noção ou identidade com o papel social que, talvez, somente por um (des)capricho da vida, representa. No crime de desacato à autoridade, da qual reclama, ele é acusação e defesa, vítima e réu. Isso, por que sem saber, na verdade, acusa a si mesmo. Reivindicar para si o respeito à autoridade funcional em um contexto de situação pessoal é um desacato. Por: Paulo André

sábado, 5 de abril de 2014

Documentário: Lingua: Vidas em português.

Dirigido por Victor Moraes, o Documentário ”Língua: Vidas em Português”, utilizando-se da língua portuguesa como referência, abarca de certa forma sobre o dinamismo da cultura sob a perspectiva da língua.

Lançado no Brasil em 2004, a referida produção fílmica convida os espectadores para uma viagem aos países que fazem uso da língua portuguesa, revelando as semelhanças nos traços dos falares e suas peculiaridades, entre os povos que estão separados geograficamente, mas unidos pela língua.

Semelhanças e particularidades, por assim dizer, que testemunham o traço identitário da língua, bem como, o dinamismo o qual ela se encontra. Nesse sentido, pode-se afirmar que a língua é um ícone que reflete, de certa maneira, o resultado de intercâmbios culturais, com outros povos, com valores distintos, tradições típicas, modos de vidas diferenciados, etc.

Desse modo, conforme se pode perceber no documentário, a multiplicidade circunscrita na unicidade da língua portuguesa, dá-se, muito possivelmente, graças aos acontecimentos históricos que permitiram a efetivação da língua nas relações identitárias dos povos.

Em consequência disso, a Língua Portuguesa, concordando com a fala de Saramago, tornou-se um elo de ligação entre as ex-colônias portuguesas, mas, também um veículo de afirmação da singularidade própria de cada um dos povos.

Saramago, ainda relata, que a língua tem seguido uma tendência de “compactação” no estabelecimento da comunicação entre as pessoas. Exemplifica, afirmando que, talvez um dia voltemos a fase embrionária da língua, na época das cavernas, pois atualmente em uma mensagem são utilizadas menos palavras do que se fosse há duzentos anos atrás.

Em contrapartida, compreende-se que a língua tem, ainda, um papel indispensável na transmissão dos valores culturais e na preservação da tradição. De algum modo, pode-se afirmar, então, que a língua é simultaneamente um combustível para as mudanças e uma espécie de amuleto da tradição. Ao mesmo tempo em que ela dá voz às coisas novas, retira do silêncio os costumes, as crenças e tradições cultivadas ao longo da história.

A língua é livre, por mais que a tentem aprisioná-la! Não defende um lado, em específico; anuncia o passado e o futuro segundo suas particularidades. Enfim, refletir sobre a língua, a partir do referido documentário, é um passo importante para o reconhecimento da complexidade da língua, quanto à identidade e à diversidade que nela se inscrevem e se protagonizam.

REFERÊNCIAS:

Língua: Vidas em Português. Gênero: Documentário. Duração: 105 min. Lançamento (Brasil): 2004. Distribuição: TV Zero e Sambascope. Direção: Victor Lopes. Roteiro: Ulysses Nadrus e Victor Lopes. Produção executiva: Renata Pereira e Suely Weller. Co-produção: TV Zero, Sambascope e Costa do Castelo. Som direto: Paulo Ricardo Nunes. Fotografia: Paulo Violeta. Edição: Piu Gomes, Pedro Bronz e Victor Lopes.










RESUMO: As “linguagens” dos animais.



POR: PAULO ANDRE DOS SANTOS.


De acordo com o autor, os animais há muitos anos são alvos de estudos de pesquisadores. Tal fascínio não se restringiu ao campo científico. Através da produção cultural os seres humanos tem reforçado a crença na possibilidade de "humanização" dos animais. Entretanto, até os dias atuais, nenhuma pesquisa cientifica com animais foi capaz de fazer com que revelassem uma capacidade linguística suficientemente elaborada e complexa ao ponto de equiparar-se aos seres humanos. Desse modo, uma dos paradigmas que tais animais não conseguem superar é a incapacidade de se expressar sobre experiências do passado. Muito menos, sobre o futuro. Entretanto, tal como diz o autor, duas questões podem ser consideradas.  O fato de não alcançar o mesmo desenvolvimento linguístico dos seres humanos, não significa que os animais não articulem mensagens entre si. Outro dado é que o próprio conceito de linguagem é estabelecido segundo critérios arbitrários. É bem verdade, alguns animais tem o dom realizar imitações semelhantes às vocalizações de humanos, mas, isso não é o reflexo de um domínio da linguagem. Sem um estudo mais aprofundado, muitos poderiam dizer que os animais não dominam a linguagem humana em virtude de razões fisiológicas. Isso seria grande equívoco. O que lhes falta, conforme diz o autor, é a capacidade criativa, qualidade específica do ser humano. A exemplo do sistema comunicativo das abelhas, geralmente, os sistemas dos animais são de natureza fixa e inflexível, portanto, muito limitados. Em contrapartida, muitos pesquisadores, ainda nos dias atuais, despendem anos de estudos a fim de desvendar a linguagem dos animais, bem como, de comprovar que alguns deles podem até se tornar capazes de estabelecer uma comunicação com humanos. 

sexta-feira, 4 de abril de 2014

A assinatura e o carimbo.

De todos os ritos que realizamos dentro das instituições públicas, talvez, uma simples assinatura pode ser um pesadelo. São tantos os critérios, tantas são as exigências legais e humanas que uma simples necessidade de se carimbar ou assinar determinado documento, é capaz de fazer soluçar o mais paciente dos cidadãos. Como nossa máquina burocrática é enorme, categoria peso pesado, para executar qualquer movimento. Recentemente, tivemos conhecimento de casos que podem servir como um exemplo mais geral, tal como as obras públicas. Sabe-se que o Brasil foi anunciado como país sede da Copa do mundo faz aproximadamente quatro anos. Hoje faltam pouco mais de dois meses dos jogos. Muitos estádios não estão sequer prontos. Isso ocorreu, em certa proporção, à demora para o início das obras, que só começaram depois de dois anos. Por quê? Por causa da tal máquina burocrática. Somente o processo de licenciamento ambiental (L.A.), pode levar anos. Importante ressaltar que o L.A. é fundamental, mas precisa de um processo avaliativo mais curto e eficaz, enfim, menos burocrático. Outro exemplo que pode ser citado é o dos cartórios. Ir ao cartório é muitas vezes um martírio, somente suportado por quem gosta de sofrer, ou, por quem não tem outra escolha. Em alguns casos, no desespero ou não, as pessoas apelam para o "jeitinho brasileiro", infelizmente. Esse comportamento que é nefasto para a cidadania, encontra,) no descaso do poder público, uma brecha para se afirmar. E aí? Tudo fica negociável. A multa de trânsito, a vaga no estacionamento, o lugar na fila dos hospitais do SUS, a aprovação do aluno na escola, etc. Mesmo com tudo isso, nós enquanto povo, continuamos sentados em nossas velhas cadeiras de balanço.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Quando vender é consequência.

Por: Paulo André dos Santos. No mundo dos negócios, em que a concorrência entre os atores se faz cada vez mais impetuosa e ardilosa, o diferencial entre quem se estabelece e quem desiste do mercado é a qualidade dos produtos que são produzidos. A qualidade de um produto tem precedência sobre o resultado das vendas. É possível vender muito em pouco tempo sem qualidade, mas não se consegue fazer isso por muito tempo. O segredo de uma política de vendas sólida, com resultados duradouros possuir como filosofia central o esforço em realizar todas as expectativas que foram alimentadas para a clientela no ato da venda, a fim de conseguir a plena satisfação. Erroneamente, muitos atores do mundo dos negócios acabam adotando uma política de vendas centrada exclusivamente nos resultados imediatos. Tal perspectiva de negócio, a médio ou longo prazo, muito provavelmente, irá se constituir em um obstáculo entre quem estará querendo vender e quem estará querendo comprar. Para que um negócio se realize, não bastam vendedores e compradores motivados, é preciso haver legitimidade de quem está a vender e confiança de quem está a comprar. Um cliente pode até precisar de um determinado produto, ter dinheiro para comprá-lo, mas somente irá fazê-lo se tiver confiança. Pode ser até que na primeira compra ele assuma o risco, mas na segunda tentativa, se o resultado da primeira for negativo, dificilmente isso irá acontecer. Para colocar em cena outro aspecto, façamos uma breve analogia. Observe nesse caso, caro leitor, o quanto o equilíbrio é importante. Por exemplo, a administração de um antibiótico para o combate de uma determinada patologia. Se a administração é insuficiente, a doença não alcançará a cura. Se, ao contrário, a administração for excessiva, haverá superdosagem e outros problemas mais graves poderão surgir, inclusive o total colapso. Assim também, deverá ser uma boa política de vendas. Administrar requer perícia. Administrar é uma arte. Vale lembrar que o artista, independente do tipo de atuação, muitas vezes faz coisas que não pensávamos que fossem razoavelmente possíveis. Enquanto uma mente altamente racional estabelece sua sentença final, o artista ainda é capaz de criar, ao menos na imaginação, uma nova possibilidade. Por isso, a criatividade é um dos componentes fundamentais de toda boa administração. A criatividade é a pimenta de toda boa estratégia de negócios. Contudo, na administração de negócios, é preciso equilibrar as variáveis a fim de que os números continuem positivos. Coisa que os verdadeiros artistas não estão muito preocupados. Os verdadeiros artistas estão mesmo interessados em realizar-se na arte e pela arte, e nada mais. Por outro lado, esse pensamento não é cem por cento no mundo dos negócios. Nesta seara, o que prevalece é a velha história da relação custo e benefício, da insistência e manter os riscos sob controle, mas... vamos adiante. Imagine agora, caro leitor, se você fosse em uma loja ou em um determinado estabelecimento comercial. Nesse local, motivado pela própria necessidade, você contrata um serviço ou compra um produto qualquer. Muito bem,...Mais adiante você percebe que comprou “gato por lebre”, pois o que foi adquirido não lembra nem de perto o que lhe foi vendido. Diante dessa situação, caro leitor, tenho certeza, considerando que me comunico agora com uma pessoa em pelo gozo da razão, que você não ficaria satisfeito. Afinal, suas expectativas foram frustradas. Para ilustrar melhor isso, vamos ao exemplo do salão de beleza. Suponha que uma mulher vai em um salão de beleza, muito recomendado, inclusive, por uma grande amiga. As referências desse estabelecimento fornecidas pela amiga lhe são as melhores possíveis. Até aí, tudo bem...vamos lá. Tal mulher chega ao estabelecimento cheia de esperanças. Antes de ir ao local pensou cuidadosamente no que iria pedir para ser feito no cabelo. Isso, acreditando que enfim iria dar “aquele plus” no visual. E senta-se na cadeira do salão radiante de felicidade. Muito bem, pois, que passados alguns dias, o cabelo da tal mulher começa a cair aos montes. O que, caro leitor, você acha que ela iria sentir? Como você acha que ela iria reagir? Pois é. Com certeza, a orelha da maquiadora iria coçar muito. E mais, a fofoca iria rolar solta pelo bairro, talvez, até na cidade, dependendo do tamanho. Desse modo, caro leitor, como diz o velho bordão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, “Assim não pode, assim não dá”. Pois é, desse jeito, o negócio não irá prosperar. Não é sustentável vender sem entregar o produto, sem atender integralmente as expectativas do cliente. Acima de tudo, isso não é considerada, geralmente, uma estratégia inteligente. Afinal, como se sabe no mundo dos negócios, um cliente satisfeito atrai, pelo menos, um outro cliente, por recomendação. Por outro lado, um cliente insatisfeito, é capaz de fazer um estrago enorme, com perda significativa de outros potenciais clientes. Dessa maneira, vende bem, quem vende melhor. Vende melhor, quem atende às expectativas dos clientes. E quem atende às expectativas dos clientes, reconhecidamente, faz qualidade. E para quem faz qualidade, vender é uma consequência.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

RESUMO: Uma educação romântica: o conceito de bildung no início do romantismo alemão.

Prima facie, para os representantes do romantismo alemão, a bildung era o sumo bem, o ápice que a humanidade poderia alcançar. A bildung era considerada pelos românticos aquela que deveria ser a mais alta aspiração da humanidade. De acordo com Beiser (p.1), os romanticos defendiam a ideia de que uma república não pode obter êxito se as pessoas não estiverem prontas para ela. Em outras palavras, para que a república se consolide é imprescindível que haja identidade, comunga de crenças, valores e da tradição que caracterizam aquilo que denominam república. Alíás, ao observar a etimologia da palavra república, iremos à origem no latim "res publica", que significa "coisa pública", assim, algo que deve ser partilhado pelas pessoas que compõem esse universo. Mas como estabelecer tal coesão social? Uma saída para esse impasse seria, à luz do pensamento romântico alemão, a bildung. Ou seja, somente através da educação as pessoas consolidariam o conjunto de competências essenciais à sobrevivência da república. Para os românticos, conforme diz Beiser (p.1), "...se as pessoas estão a participar dos assuntos públicos, elas tem de saber os seus verdadeiros interesses e os do Estado coomo um todo, e se eles são cidadãos responsáveis, eles devem ter a virtude e o auto controle para preferir o bem comum sobre os seus interesses privados". Na verdade, o argumento romântico parte de uma ideia herdada de Montesquiéu sentencia que "o princípio da república é a virtude". Em contrapartida, essa ideia sofreu a oposição de Kant, filósofo da época. Para ele, segundo Beiser (p.2), "mesmo em uma nação de demônios, a república seria possível". Por outro lado, diz Beiser (p.2), os românticos responderam a essa crítica argumentando que a "única forma de controle social de uma nação de demônios somente seria possível através da repressão e do autoritarismo. o que seria segundo eles, analogamente, um "leviatã hobbesiano". A sociedade estaria então vivenciando o estado de natureza, onde a força e a astúcia prevaleceria sobre a fraqueza e a debilidade. Assim, não restaria ao Estado outra alternativa para a sobrevivência e desenvolvimento da república a não ser a educação. Nesse sentido, a bildung, enquanto sumo bem, argumentavam os românticos, era a maior realização de um sujeito, a bildung era a supreme self-realization da humanidade. Isso implicava na realização de toda a potência de aprendizagem e do crescimento pessoal dos indivíduos e, por consequência, da "res publica". Segundo a lógica dos românticos, o Estado é um meio e não um fim sem si mesmo. O Estado é o meio ao qual os indivíduos poderiam alcançar a auto-realização. Dito isto de outro modo, seria o fim completo do sujeito, a consumação da existência, o término de uma grande obra. Esse summum bonum, conforme alude Beiser, é a bildung. A bildung, para os românticos, possuía dois objetivos fundamentais: o primeiro, "unificar e desenvolver todos os poderes de um ser humano, estabelecendo todas as suas capacidades diferentes em um todo; o segundo objetivo é o de "desenvolver a individualidade". Nesse último, implica o desenvolvimento de aptidões únicas e disposições peculiares a cada indivíduo. Para isso, conforme Beiser, os românticos elegeram a arte como principal instrumento para desenvolver a bildung. A arte como ferramenta da bildung viabilizaria a educação estética, que teria como finalidade primordial a "libertação do espírito humano", do jugo imposto pela opressão social e pela política. A partir daí, seria possível, de acordo com os românticos, "romantizar os sentidos" e desenvolver o poder de contemplação, primando pelo cultivo da sensibilidade em relação às coisas do mundo, "reunificando o homem consigo mesmo" e com o mundo. Pois como diz Beiser (p.11), "A tarefa do homem moderno era recriar em nível consciente e racional aquela unidade com nós mesmos, com os outros e com a natureza, unidade que havia sido dada para o homem primitivo a um nível ingênuo e intuitivo". Sobre isso, conforme Beiser, os românticos viam na misticismo um elo imprescindível para o desenvolvimento desse processo, o que implicava no reavivamento da religião, não tal como é, mas, como diz os românticos: uma forma específica de contemplação ou percepção do universo. Outro elo fundamental para a bildung, segundo os românticos, era o amor. O amor era o pilar central da ética romântica, pois, conforme Beiser (p.13), "...o poder do amor, na verdade transcende todas as regras morais: enquanto o amor inspira, a lei reprime; enquanto o amor perdoa, a lei pune". REFERÊNCIA: BEISER, Frederick C. Uma educação romântica: o conceito de bildung no início do romantismo alemão.