segunda-feira, 4 de setembro de 2017

O sono da multidão

Acorda! Joaquim,
Desperta-te, deste sono profundo.
Livra-te do abraço de Morpheus.
Sai por aí, a salvar o mundo.
Levanta-te, pelos tupis e malês.
Lutai pelos guris, pelos pueri,

***
Acorda! Joaquim,
Sai do ébrio pensamento,
Anda, voa que o tempo urge,
Liberta nossa canção,
Lança-a ao vento.

***
Solta o lupus em ti cativo,
Solta a multidão que tu és,
Faz a inveja de Hércules,
Abala a confiança do algoz,
Ainda que seja um bicho feroz.

***
Invoca em teu auxílio, os deuses e heróis,
Mas não permaneças nesta perplexidade,
Sai agora, à luta, Joaquim, vais!
Vais, combater na cidade.
Usa tuas palavras e gritos,
Usa teus versos de amor e liberdade.

Sentimento materno

Soluços e desespero,
Cama molhada,
Rompe a madrugada,
Imagens do tempo,
Dores grávidas do porvir.
Rabiscos de um livro não escrito.

***
Meu filho, grita em desespero,
Meu filho! Onde estás?
Procura a barulhenta mãe.
E vai ao quarto afônico.
Em silêncio, um abrir de porta.
Tão repentinamente como chegou,
Vai-se embora o desespero.

***
Meu filho, sussurra baixinho,
Meu filhinho... sono e silêncio.

Lembranças buliçosas

O tempo canta
Lembranças buliçosas,
Cantos passarinhos,
Sementes que voam,
Árvores frondosas.

***
Cruz caída, lá em cima,
Ao longe o barqueiro,
Cinzas combalidas.
Presente-futuro traiçoeiros.

***
De olhos no horizonte,
Vejo-me cantando de repente,
Na janela de ontem, lembro,
Tudo era tão diferente.

***
Tambores ao vento,
Clarinetas ao tempo,
Olho e sorrio.
Nos porões da memória,
O elixir do futuro.

Exaustão poética

Anjos, céus e nuvens,
Ideias em queda livre,
O abstrato em versos,
Torrente de palavras,
Imensidão de mares,
Rios, lagos, tempestades,
Sol reluz e quente,
Versos entre o tudo e o nada,
No papel, trilhas de tinta borrada,
Imagens duras de um poema faminto e exausto,
Espalhado pelo meio da estrada.
"A ti, meu sentimento de...
Vai como um poema de amor".

Eclipse lunar

Adeus! Adeus, meu bem.
Sei, não querias partir.
O mundo é o espinho da rosa,
e o nosso calcanhar é de Aquiles.

***
No dia em que pousares na minha cabeça,
Que se acalente o meu espírito,
No intento em que eu pereça,
Que se poupem as palavras,
De um livro já fechado.

***
A caneta sem tinteiro,
Espelho d'água que secara,
O sol já não toca o abismo,
Nos meus olhos, o universo vazio.

***
A ti, meu último respiro.
Caio indefinidamente,
Em viagem ao centro da terra,
Sou um ponto que se vai, pequenino,
Como um poema de amor.

Amor da miséria

<Autor: Paulo André dos Santos>

Seja feita a Vossa vontade, Miséria.
Algoz de meus pensamentos.
Porque me persegues?
Sai! Vai-te agora. Sai por aí, livremente.

***
Afasta-te da minha mente.
Deixa-me em  paz,
Deixe-me, aqui, com as minhas canetas.
Elas estão agitadas,
Loucas de morrer.
Querem uma mão, para dançar.

***
Espere! Volte aqui.
Não vá muito longe, viu?
Meu coração já arde de saudades.
Não consigo escrever.

Sonetos de um detento

<Autor: Paulo André dos Santos>

Meu nome? Vento.
Ou seria tempo?
Pouco importa. Sou viajante.
Orbito entre a angústia e o alento.
Transbordo, no coração dos loucos.
****
Liberdade que acorda exaurida,
Na alucinação de que desperta.
A dor dos olhos desesperados,
Filhos mais odiados de um pai desconhecido.

Embriaguez divina

<Autor: Paulo André dos Santos>

Um cálice de amnésia,
Oceano de tranquilidade,
Vais, Cógito, à Polinésia,
Vais, latifúndio da verdade.

****
Baco, ó prodigioso,
Prosperas a videira,
Dais à caneta o sangue,
Sangue das musas mães,
Que dão à luz ao labirinto.

****
Eis o vinho, eis as palavras,
Vens, poeta canarinho,
Vens trôpego pelos caminhos,
Perfeição dos deuses?
Ora, pois, embriagai-vos de palavras.

Hora do almoço


<autor: Paulo André dos Santos>

 Minutinho pro almoço,
 Hora de voltar?
 Lei do ganho-esforço?
 O Caralho. Nem pensar.
***
 Na vista, a janela,
 Nenhuma donzela,
 Só uma sombra que zomba,
 Dança prum lado e tomba,
 Resmunga, canta, tagarela.
***
 Vem lá da escuridão,
 Passos corridos,
 Sussurros,Gemidos,
 Gritos, Ofegos,
 Angústias, apagão.
***
 Vem da batalha,
 Roupa surrada, calça suja,
 Chapéu de palha rasgado,
 Sandália mambembe,
 Corpo, fardo, solidão.
***
 Vencido e combalido,
 Descansa, Desaba, desmorona,
 Pega carona no vento pro chão.
 Chão quente, ardido, caldeirão.
 De repente, sem eira nem beira,
 Levanta, desce a ladeira.
 Retorna pro bar do Adão.

sábado, 2 de setembro de 2017

O banho das formigas

(Autor: Paulo André dos Santos)
Marcha aos montes,
Tropas operárias,
Minúsculos hercúleos,
Cavaleiros lendários.
****
Léguas a fio com folhas verdes,
Pão e vinho na mesa do inverno,
Torrente de água que cai na secura,
Levados para longe pelo mar severo,
Que cai do céu da amargura.
****
Pernas naufragando n’água,
Mãos estendidas a Prometheus,
Vão sumindo no infinito breu,
O brilho dos olhos que se apaga.
****
Zeus troveja, o homem fraqueja,
As formigas morrem aos montes,
Heroicamente se agarram a peleja,
Os homens apáticos, lunáticos, distantes,
Observam atônitos aquele inferno d’antes.
****
De cima admira-se o Tonitruante Zeus,
Brava labuta da colônia servil,
A altivez épica dos condenados,
Marujos resistentes ao cântico das serenas,
É belo morrer tão bravamente, ó formigas,
Ensina aos homens a não serem tão ébrios contentes.