terça-feira, 24 de junho de 2014

A luz do tempo


Assisto atônito, sem entretanto conseguir acompanhar, o rastro de um feixe luminoso, que atravessa o tempo presente, tal como um raio milagroso que desce das nuvens. Tão rápido e tão violento que pode iludir o mais lúcido pensamento. Se vejo ou se não vejo, cá estou, mergulhado em um profundo misto de medo e coragem. Até que me pergunto, em meus pensamentos mais íntimos: quem realmente sou eu? E o que sinto diante do que vejo - ou do que não vejo?

Não me diga que é das estrelas

Por: Paulo André dos Santos.
Nos dias atuais, presenciamos notícias de lugares em todo o mundo. Notícias de fatos e acontecimentos recheados com altas doses de radicalismos, de intolerância, de violências. Mergulhadas nesse contexto, as identidades dos sujeitos são constantemente implodidas, provocando novos arranjos de comportamento social, banhadas pelo sangue da guerra. A guerra abre chagas difíceis de sarar. Traumas psicológicos atormentam a mente dos sobreviventes. São anos de reconstrução, isso por que até as estruturas mais básicas das cidades foram destruídas. A rede de esgotamento sanitário, as ruas, as escolas, as fábricas, as instalações hospitalares, tudo foi destruído. Anos se passam, as cidades vão renascendo. O país vai renascendo. Uma nova sociedade surge. Daí, chegam os oportunistas, capitalistas. Prometem consertar tudo. De fato consertam. Por outro lado, os valores transmitidos pelas gerações passadas desmoronam diante do bombardeio promovido pela indústria cultural, a fim de intensificar as relações de consumo, a fim de bases fortes de consumo para a atividade econômica. O Individualismo, então, é promovido ao status de novo agente hegemônico. Seu espírito afetaria desde à esfera familiar até o corpus social. Floresceria, assim, uma nova civilidade. A esfera da política não seria muito diferente. Os interesses pessoais passariam a ser constantemente evidenciados, em detrimento de aspectos que atingem diretamente à coletividade. Mas felizmente o legado da guerra está ali. Todos se lembram. Os mais velhos fazem questão de lembrar. O povo se une em torno disso de modo que fica difícil pensar os sujeitos senão como membrana da sociedade. Se por um lado somos felizes por não termos sofrido os horrores de uma guerra de proporção mundial, mas de certa maneira, perdemos, também, um pouco da força que a experiência da guerra alimentou nos povos afetados. Carecemos um pouco dessa força. Temos orgulho de sermos uma democracia, mas apesar disso, uma democracia que já nasceu algemada. Somos privados da cidadania, apesar de sermos cidadãos. Por sermos uma democracia representativa, elegemos periodicamente pessoas para nos representar. Pessoas que se candidatam a partir dessa obrigação moral e institucional, mas que ao serem investidos no cargo, esquecem da promessa que fizeram. Ainda assim, de quatro em quatro anos, num lapso de esperança, a maioria dos brasileiros saem de suas casas para votar. Então, traímo-nos. Enganamo-nos. Tudo para que, pelo menos, em um curto período possamos sentir o esplendor da primavera. Dela somos dependentes. Aquela mistura de cores e flores, de certa maneira nos dá a sensação de vivência sublime. Por outro lado, como toda estação, a primavera sempre acaba e, miseravelmente, leva tudo consigo. Restando-nos, apenas a resignação e a paciência de esperar um alento para a vida. No fundo de nosso mais íntimo pensamento sabemos. Temos alguma noção do que está por vir. Sabemos - e muito bem, qual será o desfecho da história, mas recusamos simplesmente admitir. Tudo por causa de uma desgraçada esperança que nos faz adiar uma atitude ou um manifesto. Nossa história teve um início e, provavelmente, terá um fim. Nós não escolhemos nascer aqui. Fomos certamente escolhidos, eleitos para nossos papéis figurantes. Contudo, ao observarmos, somos conduzidos à constatação de que não existe o fim, mas, novos começos. A história está escrita, o roteiro já está pŕonto, mas ainda é possível acrescentar algumas linhas. É possível acrescentar fatos que podem produzir algum reboliço, um revés interessante na história. O perigo de começar a escrever é o de não conseguir parar. É preciso reescrever algumas palavras, dar novos contornos. Cidadania, por exemplo, em nossa mente, é muito mais um conceito jurídico do que propriamente uma construção social. Por quê? Simplesmente, por que é permitido reinvindicar mas seguindo os trâmites judiciais. Fazer movimentos de protestos, por exemplo, pode ser visto como perturbação da ordem pública. Curiosamente, não consideram perturbação da ordem pública um desfalque de milhões dentro da máquina governamental. Desvio de verbas, super-faturamentos, fraudes em obras públicas, isso tudo, não é perturbar a ordem pública? Infelizmente, há uma distorção na interpretação dos fatos. Provocar prejuízo ao patrimônio de milhões de pessoas é algo surpérfluo, mas reclamar o prejuízo é perturbar a ordem pública. Desnudar o próprio corpo em local público é atentado ao pudor, ou seja, uma violência ao juízo moral do outro. Em contrapartida, na televisão e na Internet, essa mesma nudez é permitida, negligenciada. A prisão pode parecer pouco para quem cometeu um crime contra outra pessoa, mas também pode ser vista como uma medida excessiva para quem cometeu crimes contra o sistema financeiro da nação. Aonde estão os pesos? Quais são as medidas? Por nossa vida política é tão infame? Por que somos tão carentes de ecos mais vibrantes? Por que tanta promiscuidade nos negócios da política? Como está a Educação e a Saúde? Para onde vai tantos impostos? Com certeza, se fosse para o bem, tudo bem. Infelizmente, bem mesmo está difícil de ver. Nunca bateu na minha porta. Digam-me: de quem é a culpa? Não me diga que é das estrelas.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

A exceção e a regra

Primeiramente, ao traçarmos os limites semânticos para a regra e a exceção, podemos dizer que regra, neste contexto, é algo consumado, que já se aplica de forma hegemônica na realidade. A regra, aqui, como uma concepção naturalizada de determinado objeto. Em outras palavras, aquilo que já é um consenso das maiorias. Aqui, a regra é a lei. Por outro lado, existem circunstâncias em que é necessário conceder um ou mais casos de exceção. Trata-se de situações em que a regra é subjugada às raras situações, casos  fortuitos, muito difíceis de acontecer. Essas são geralmente enquadradas como casos de força maior. Ou seja, de situações inevitáveis. Para tais casos, mediante exaustivas analises, podem ser estabelecidas exceções. As exceções são assim estabelecidas. O problema das exceções é muitas vezes germinado justamente no momento em se analisa e se compara as ocorrências com os casos de exceção. Se não há rigor nessa análise; se há displicência na comparação, o diagnóstico da situação é comprometido. Diante disso, corre-se sério risco de se borrar as fronteiras estabelecidas entre a exceção e a regra. Assim, tornar-se-ia difícil a distinção, de modo que, para quem observa, a imagem, certamente, seria caótica. É por isso, que existe uma forma específica na elaboração das leis. A leis precisam possuir um discurso fundado situado minuncia e na clareza. Pois quando isso não acontece, é iminente o perigo do vício. O vício, fundamentalmente, é a falta de critério, a falta de assimilação, a falta de uma atitude coasiva, no sentido de defender os limites que separam a regra da exceção.

Gritos na academia

O pavilhão de aulas estava um deserto naquele dia. Havia chovido muito. O prédio estava praticamente vazio. Muitas salas estavam possuídas por um silêncio mórbido. Essa ausência de sons e de calor humano era ao mesmo tempo inquietante e inspiradora. Estamos geralmente tão acostumados ao barulho poluente da cidade, que, não raras vezes, ao nos depararmos com um silêncio totalizante, sentimo-nos, em alguma medida, aterrorizados. Os barulho excessivo é perturbador, mas o silêncio profundo pode ser muito pior. Lembro-me que caminhava pelos corredores do pavilhão em busca de uma alma. Procurava alguém que me situasse no que ali se passava. Eu estava meio perdido, confuso com toda aquela circunstância. Luzes opacas, vento frio e aquele corredor fúnebre soava um tanto estranho. Eu ia subindo, percorrendo os andares, quando repentinamente, um vigoroso grito rasgou o silêncio. Eu estava ali, caminhando, na esperança de encotrar alguém, mas não pensei que seria dessa forma. Aquele grito vindo da escuridão foi a gota d'água. Sai na direção do ocorrido, a fim de verificar se alguém precisava de ajuda. Acelerei o passo, entrei em uma sala que estava meio aberta. Nada havia. Nem mulher em apuros, nem qualquer outra pessoa. Isso foi assustor. Perguntei-me se realmente havia escutado aquele grito. Desci aos outros, percorri novamente os corredores, contudo, toda essa ginástica foi em vão. O pavilhão estava vazio. Não vi sequer o pessoal da segurança; ou, mesmo o pessoal do apoio administrativo. Mas de onde será que veio aquele grito? Tenho certeza de que, apesar do susto, ouvi aquele grito. Comecei a olhar ao redor do prédio. Estava escuro. Eu usava a fraca luminosidade do celular. Fui dando a volta no prédio, até que um novo grito. Naquele momento, o grito foi ainda mais forte. Soou o som de tambores, acenderam-se tochas de fogo. Um círculo de pessoas e uma mulher ao centro. Seria assustador se não fosse apenas uma performance teatral.

terça-feira, 3 de junho de 2014

A democracia do medo

Dizem que vivemos um momento democrático. Este tempo é frequentemente visto sob a aura da liberdade. Hoje em dia, as pessoas se sentem livres, para se expressarem, para participarem mais ativamente do processo de construção da sociedade. Em contrapartida, o que é uma percepção comum às pessoas de nosso tempo, não encontra eco suficiente na realidade. Pouco se reflete sobre o que é de fato a liberdade, assim como, é ínfima e muitas vezes infértil a quantidade de reflexões que elaboramos sobre democracia. Refletir sobre esta palavra é, aparentemente, algo de pecaminoso. A democracia é como dito por Saramago, "como uma santa no altar". A democracia é de certa maneira sacralizada na esfera da representação. Constantemente, repetimos o clichê, "Estamos em um país democrático". A ideia de democracia parece fazer parte do senso comum. Por outro lado, sabemos o que realmente é democracia? Ou sabemos somente a noção de democracia que nos ensinaram? Diante dessas perguntas, resta-nos responder outra: somos democráticos? Recentemente completaram-se cinquenta anos do início da ditadura militar. Será que já nos livramos de todos os nossos medos e traumas? Será que já superamos essa chaga em nossa história? Ou estamos a fazer uma democracia do medo? É possível uma democracia com cidadãos medrosos? É possível uma democracia sem uma cidadania corajosa? Como é possível sermos livres se encarceramos ainda o medo dentro de nós? Como superar a prisão mais eficaz que existe? Como podemos superar o eco de uma sociedade do medo? Como podemos superar medos tão capazes de transformar um direito em uma dádiva? Como superar medos capazes de transformar nossos servos em senhores? O dia em que conseguirmos respostas legítimas para essas perguntas, teremos condições de apreendermos a ideia mais apropriada do que é democracia.