segunda-feira, 26 de maio de 2014

O problema da balança.


POR:PAULO ANDRE DOS SANTOS.
Recentemente, os brasileiros tem acompanhado pelas redes de TV, pelo rádio e pela Internet o desfecho do julgamento dos envolvidos no mensalão. É certo que, em nenhum outro momento da história política do país o tema da corrupção foi colocado sob tão fortes holofotes. Debates e discussões enérgicas serviram de combustível para muita audiência nos meios de comunicação. Entretanto, até o momento presente, em que vários crimes praticados pelos mensaleiros já avistam no horizonte o tempo de caducar, ninguém foi efetivamente preso. Muitos diriam: mas a justiça é lenta. Será mesmo o nosso sistema judiciário ineficiente? Inevitavelmente, para que se obtenha uma resposta isenta para essa pergunta, só mesmo relativizando. Aliás, é possível que a relativização faça parte da essência da atividade jurídica. Talvez por isso quase ninguém entenda quando se diz que “A justiça é cega”, já que, notoriamente, trata à força do martelo as camadas mais pobres e com flexibilidade os mais poderosos. Dessa maneira, um delito pode ter um desfecho diferenciado. Tanto que critérios considerados para manter ou não alguém em regime de reclusão em alguns aspectos ligados à situação econômica da pessoa, por exemplo, trabalho, residência fixa, escolaridade. Se tem trabalho, residência fixa, pode ser solto. Se estiver desempregado, ocioso, permanece na cadeia, na maioria das vezes. Isso é a relativização dos fatos. A realidade nua e crua é assim. O crime não é só o crime, mas também as condições concretas de existência do suspeito. É a tal relatividade. Assim, justamente por ser relativizável é que se pode confirmar que “A justiça é cega”. A incompreensão talvez resida no fato de que a sentença esteja mal formulada ou incompleta. Na verdade, dever-se-ia dizer que “A justiça é cega…”. Talvez tenham esquecido - (quem sabe), de denunciar que tal enunciado possui lá suas reticências. Uma coisa é dizer que “A justiça é cega”. Outra coisa é afirmar que “A justiça é cega…”. Míseras reticências! Que falta faz afinal? Três pontos! Que significância eles tem? Todavia, como se afirma em geometria, um ponto é sempre a interseção entre pelo menos duas retas. Então, em um ponto pode passar infinitas retas. Imagine por três pontos! Nesses três pontos, que agora não lembram nem de longe a inanição da miséria, escondem-se inúmeros fatos, obscuros ou não. Por causa desses pontos compra-se o comprador. Por causa desses pontos o trabalhador paga para trabalhar. Por esses enganosos pontos, o corrupto sai de um escândalo como vítima, talvez até, como herói. Por causa desses pontos, torna-se o culpado inocente. Então quando refletirmos sobre casos que vem a tona e chocam a sociedade, como o caso dos mensaleiros, por exemplo, devamos ter, pelo menos, uma certeza: se (per)seguirmos a linha até a sua origem, percebemos que ela nos levará a um novêlo. O que isso quer dizer? Na verdade, basta dizer que existem mais envolvidos em toda essa sujeira, do que realmente se apresenta. Os que foram levados à julgamento são lembrados. Com isso, mata-se a sede de vingança social. O clamor popular enfim se acalma e a opinião pública sente-se por satisfeita e desaparece. Ironicamente, no momento em que tudo parece vir à tona, publicamente, é este o momento em que estamos sendo privados mais violentamente da verdade. Pois relativizando: não existem verdade, mas verdades. Então, nesse caso, existirá pouco espaço para as mentiras. Por que todo objeto pode ser reduzido a uma figura plana, arbitrariamente. Ou, também, pode ser considerado em suas dimensões múltiplas. Isto é, todo objeto pode ser relativizado. Ao analisar a justificativa do último voto, do ministro Celso de Melo, sobre os embargos infringentes, penso que o exemplo do objeto multidimencional pode até para compreender a divergência de posicionamentos entre os juízes do supremo. Isso explica de maneira mais ampla, considerando outros casos jurídicos, a diversidade de posicionamentos de juízes para casos semelhantes. É como na culinária, que a mesma receita pode ter sabores diferentes, a depender de inúmeras variáveis, tais como, a cozinheira, a qualidade dos ingredientes, a temperatura etc. A lei é uma, como a receita, mas na prática pode ser diferente. Em outras palavras, o campo jurídico não está inserido no universo das ciências exatas. Não existe um peso, mais inúmeros pesos, inúmeras variáveis que pesam. Umas são de peso, outras nem tanto. Ainda que fosse do mesmo peso, talvez, a tara da balança seja diferente. Tais variáreis, inscritas nesse círculo de relativismo um tanto caótico, tem o poder de influenciar o destino de um réu, inocentando-o ou condenando-o à reclusão. A diferença entre um condenado entre um condenado e um absolvido são as reticências. O problema da reticência é que ela nem sempre se mostra reticente. Em alguns casos, ela se encontra silenciosa e invisível aos nossos olhos e como somente olhamos para aquilo que podemos ver, ela passa desapercebida na maioria das vezes. Nela reside o conteúdo da ideologia, do inaudito, o que é indizível, a fim de preservar interesses obscuros. Tais interesses buscam a dominação e silenciamento das vozes que adormecem no silêncio. Só por isso, o silêncio frio e tenebroso permanece. Assim, como dito antes, um julgamento leva em consideração determinadas variáveis, sobretudo as de maior peso… o problema não está exatamente nas circunstâncias, mas na balança.