sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Lembranças de Guantánamo.




Por: Paulo André dos Santos.

O homem sempre muda a paisagem, ainda que algumas imagens insistam em permanecer. Ao longo de quase sete anos, várias experiências fincaram marcas difíceis de apagar. Em Guantánamo a comunidade de prisioneiros, assim como a sociedade fora do presídio, estava dividida em grupos de influência e de poder de decisório. Pode-se dizer que lá na prisão existiam basicamente duas opções para de se incluir na coletividade. Em Guantánamo não tinha meio termo, ou se é amado, ou se é odiado. Os amados, apesar de serem iguais aos outros prisioneiros, possuíam prestígio junto aos agentes carcereiros. Eram tratados de maneira diferenciada. Possuíam Tv a cabo, visitas íntimas prolongadas, bebidas, etc. Já os odiados, em contrapartida, eram os opróbrios, exemplos da insignificância, os refugos humanos deportados para um ponto qualquer da Sibéria. Privados da liberdade e condenados ao esquecimento, tornaram-se invisíveis aos olhos da sociedade. Ninguém ouvia os gritos que rompia o silêncio da noite; ninguém percebia a sujeira e o mal cheiro das celas. Nesses anos, muitos desejaram sair do cativeiro. Alguns para mudarem de vida, outros para reeditá-la. Dos poucos que conseguiam respirar o ar da liberdade, alguns sempre acabavam perdendo a direção e acabavam regressando ao inferno prisional de Guantánamo. A liberdade também cobra o seu preço; sempre há o que dar em troca dela. Para os que voltavam, os castigos eram piores. O sangue e a carne viva, geralmente, ajudavam a caracterizá-los. Em Guantánamo era um consenso entre os prisioneiros: era muito difícil sair da prisão, mas, o mais difícil, ainda, era voltar. Se entrar em Guantánamo causa a sensação de ser enterrado vivo, regressar à prisão, após breve e frustrada fuga, é como morrer lentamente, silenciado e sufocado, sem qualquer chance de despedida.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Podres poderes.

Apesar das nuvens, o sol brilha.
Apesar das sombras, a esperança fervilha,
Lá das nuvens, quando a chuva cai, a vida cresce,
A luz prevalece, o sol brilha, fervilha.

Apesar do homem, homens prosseguem,
Arrastando-se pelos caminhos tortuosos,
De uma vida ingrata e sofrida,
Longe dos olhos dos famosos.

A vida é consequência da morte,
A morte é uma sequência da vida.
Todos nascem para morrer,
Outros morrem para ter vida,

Sem pão para comer,
Nem lugar para guarida,
Ninguém mais quer ver,
Essa cena tão sofrida.

Apesar do homem, o homem vive.
Lá embaixo dos escombros,
De uma destruída humanidade,
Fruto da desumana perversidade.

Os animais são mais sensatos,
Matam apenas para viver,
Os homens, reles estúpidos, ingratos,
Bebem o sangue por prazer.

Ceifam a vida do ventre livre,
Condenando-o à exploração.
Assim se nasce, assim se vive.
Catando as migalhas do patrão.

Na casa do senhorio, comida farta na mesa,
Enquanto grita bravio, o estômago vazio da serviçal,
Que lamenta e chora noites a fio,
Que os deuses a livre de tanto mal.

Os podres poderes que submetem,
A mais indigna posição,
Homens e mulheres condenados,
A mais extrema humilhação.


Não podem conter a energia,
Que emana dos corpos feridos,
Pelo punhal da miséria,
Agonizam, mas, resistem ainda os “vencidos”.

- Por: Paulo André dos Santos -

RESENHA

REFERÊNCIA: TROPA DE ELITE 2: O inimigo agora é outro. Lançamento: 2010. Atores: Wagner Moura, André Ramiro, Maria Ribeiro, Milhein Cortaz. Participação: Seu Jorge. Duração: 116 min. Gênero: ação. Estúdio Zazen produções. Distibuidora: Zazen Produções. Direção: Tiago Marques. Música: Pedro Bromfman. Fotografia: Lula Carvalho. Direção de arte: Tiago Marques. Edição: Daniel Rezende.



RESENHA

POR: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS.

Maior sucesso de bilheteria da história do cinema brasileiro, o filme “Tropa de Elite 2”, traz uma perspectiva diferente da saga anterior. Aliás, como transparece o seu subtítulo (“O inimigo agora é outro”), a produção procura desmitificar e demonstrar que existe toda uma rede de poderes na relação de conflito entre polícia e crime organizado.

Protagonizado por Wagner Moura, o filme convoca à reflexão os espectadores, para a temática da violência, dos direitos humanos, envolvendo a polícia e o crime organizado. Ao mesmo tempo, o filme procura mostrar que uma das consequência da corrupção política e policial, é o fortalecimento do mundo do crime.

O filme denuncia, de maneira contundente, os meandros da vida policial e política do país. Traz em cena a perspectiva criminosa das melícias, que são controladas por policiais corruptos ou ex-policiais. Por outro lado, deixa evidente a condição de exploração que se encontram os moradores de favelas controladas pelo tráfico de drogas, ou, pelos milicianos.

Em relação a esfera política nacional, a produção fílmica desnuda o esquema de “compra de votos”, que, por absurdo que possa parecer, ainda se constitui em uma estratégia muito utilizada para os políticos alcançares ou se perpetuarem no poder. Muito bem articulados, alguns “bandidos de gravata”, percebem, no contexto do filme, que é mais vantajoso para eles terem como aliados os criminosos que controlam as comunidades das favelas.

Ou seja, em troca de votos, faz-se convênios secretos com o crime organizado. A história do filme é ficção, mas, a realidade não está longe disso. Casos recentes da história brasileira revelam que a associação de políticos ao crime organizado não é conto da carochinha. A propina recebida por policiais e por políticos é uma realidade quase rotineira.

Enquanto isso, as organizações criminosas se fortalecem, com armas e com a conivência de agentes de um sistema que deveria atuar para defender a lei. Ao invés disso, preferem se tornarem sócios dos traficantes, cobrando dinheiro em troca de proteção.

Fica evidente, infelizmente, que a problemática da criminalidade no Brasil é, muitas vezes, agravada não pela falta de recursos das polícias, mas, por uma distorção no comportamento dos agentes policiais e políticos diante da situação.

Assim, como verbaliza o Capitão Nascimento, o sistema é um organismo complexo, composto por elementos que, muitas vezes, mudam o curso de suas atribuições dentro do sistema, aproveitando-se do lugar que ocupam para realizar empreendimentos pessoais ou de outrem. O problema do sistema, conforme encerra o filme está situado em suas diversas esferas, mas, principalmente, nas altas esferas políticas do país.