sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Entre o Submundo e o Purgatório


Por: Paulo André dos Santos.

Lembro-me da primeira vez em que ousei trilhar sozinho pelos caminhos desconhecidos da cidade. Ao seguir pela escuridão das vielas, ao mesmo instante em que me sentia inclinado a arregalar os olhos, o horror que se fazia presente na realidade funesta, aonde se guardava os escombros da produção sócio-histórica, coagia-me a não olhar a expressão do medo e da necessidade daqueles esquálidos meninos e meninas, de olhos profundos e tristes, deitados à beira das calçadas infectas da cidade. Era um cenário de forçosa penúria a que estavam condenados a padecerem, até à carcaça, os filhos do descaso e da desonra do Estado. Não era possível perceber neles a mais ínfima expressão de felicidade, os seus momentos eram sempre mais marcados pelos simbólicos velórios do que pelo regozijo. Diante de uma dor intensa e duradoura, provocada pela história cíclica da miséria e da violência física e moral, que abrange tanto a privação dos aspectos sócio-econômicos e culturais, como as questões psicológicas. Para eles, limitados pela cegueira existencial, não haveria outro horizonte visível (e possível) a não ser recorrer a todo tipo de morfina. Em estado de perplexidade intensa, eu observava aqueles meninos e meninas, abandonados ao desprezo, na fronteira entre o Submundo e o Purgatório, ainda encontravam forças para resistir à morte anunciada ao recorrerem às várias formas (ou fórmulas) de anestesia psicológica. O estado de inércia que eles procuravam – para a própria infelicidade deles – era o motor central da imobilidade deles enquanto sujeitos sociais da mudança. O distanciamento almejado dos problemas que roem constantemente as suas carnes não resolvem em si os problemas. E eles ficam ali,... incubando e se multiplicando, tornando a realidade concreta ainda mais insuportável. O que é pior: ao recorrer constantemente a esse distanciamento psicológico da realidade, os meninos e meninas, que pintam com sombras a história da humanidade, tornam-se viciados no esquecimento e cegos de discernimento entre a realidade e a ilusão. Dopados pelos ventos que sopram aos seus ouvidos mensagens de confusão, eles ouvem, cantam e dançam – e introjetam – o escárnio promovido pela sociedade burguesa. Entre esses meninos e meninas, porém, existem aqueles mais velhos ou envelhecidos pelo tempo. São ex-meninos (as), ex-jovens, que também sonharam um dia, até que, diante da humilhação que lhes acompanhava, fizeram de tudo para fugirem, para também se distanciarem, mas a sina os perseguiam – pelo menos foi disso que eles se convenceram – e, por várias vezes, entraram e saíram do abismo em que se colocavam (ou eram colocados?), muitos perceberam o caminho das pedras, mas, já era tarde, os seus corpos já não tinham o vigor necessário para a caminhada. ...Triste melancolia. A essas vítimas da desilusão, restava nada mais do que, entre bares e bebidas, esbravejarem aos mais novos a sua insatisfação: “Ó! Senhor. Pão e circo para esse povo tão sofrido e carente”. Ao ouvir essas tristes histórias, dou-me conta de como o fatalismo se instala nas pessoas. Infelizmente, toda vez que mais uma derrota se anuncia, até os mais sonhadores se convencem a se despencarem de seus aviões, admitindo cegamente a nefasta derrota já desenhada nos bastidores. Pergunto-me: Será que há solução? Ao observarmos de maneira reflexiva o cotidiano, cientificaremo-nos de que, quando sonhamos sozinhos tudo se torna mais difícil, mas quando, esse mesmo sonho é partilhado e abraçado por todos os desvalidos, a esperança torna-se mais concreta e mais ardente do que o sol. A caverna em que somos criados e obrigados pelos sistemas de (re)produção cultural a viver, nos podam as possibilidades de emancipação nos ensinando a cultura à partir das sombras distorcidas da verdadeira realidade, nos privam de perceber a realidade concreta das coisas e, portanto, nos tiram a liberdade para divergir, questionar, opinar e re-significar a própria situação-limite estabelecida. Mediante isso, os paradigmas que servem de grilhões para as nossas mãos e de tapume para os nossos olhos, precisam dar lugar simplesmente a outro paradigma, o das possibilidades.




REFERÊNCIAS:

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 2.ed. - Rio da janeiro: Paz e terra, 1975.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Tirem os sapatos!...O imperialismo está aterrissando


Por: Paulo André dos Santos.

Em dois governos marcados pelas tragédias, a Era Bush – o filho – conseguiu tornar o povo americano ainda mais odiado pelos ativistas e pelos cidadãos mais esclarecidos espalhados pelos cinco continentes. A caça aos terroristas e a Guerra do Iraque, de Saddam Hussein, promovidas pelos tecnocratas do Governo Bush, ao mesmo tempo em que contribuíram para instaurar o clima de insegurança em toda a civilização global, alimentou o ódio do Mundo Árabe e a antipatia severa do resto do mundo.

E, o governo Bush, implacável e insaciável, não se limitou a isso, buscou explorar da forma mais cruel o sangue dos países-servos e dos países-rebeldes. Outros fatos ou iniciativas desastradas ajudaram a modelar a imagem endemonizada dos americanos nesses últimos anos. Coincide com esse momento, por exemplo, a insistência do governo americano em reafirmar o seu total descaso com a questão ambiental planetária, ao negar-se a aderir às diretrizes do Protocolo de Kioto, que prevê metas de redução de poluentes na atmosfera, a fim de diminuir os impactos do Efeito Estufa. Por ironia do destino, muito ocasionalmente, o país é arrasado pela força da natureza. Os furacões e os tornados são comuns em algumas regiões do país e os estragos por eles deixados também.

Entre servos e rebeldes, os últimos, incontestavelmente, foram os que mais sofreram. Cuba, rebelde geograficamente mais próximo dos EUA, continua a sofrer os castigos (embargos) sobre as suas atividades comerciais desde 1962. A Revolução Cubana (1959) significou o rompimento com o imperialismo colonialista dos EUA e, mais do que isso, significou a negação da subserviência ao capitalismo em prol da adesão dos cubanos aos princípios do Comunismo. O permite aos mais curiosos inferir que não é contra Cuba, especificamente, o embargo comercial, mas, contra o regime comunista, que durante toda a guerra fria se constituiu na alternativa de concorrência com sistema capitalista-predatório.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001, promovido pela Rede Al Qaeda, organização terrorista que se opõe à influência dos países ocidentais no Mundo Islâmico, os EUA, principal alvo do movimento liderado por Osama Bin Laden, vê-se inclinado a iniciar a corrida internacional contra o terrorismo, despejando centenas de bilhões de dólares nas Guerras do Afeganistão e do Iraque. O findou por acontecer, no entanto, foi que o governo americano não conseguiu nem acabar plenamente com o Talibã-afegão, acusado de ajudar a esconde Bin Laden e a Al Qaeda, assim como, não conseguiram capturar o Bin Ladem nem vivo nem morto, mesmo com a sua cabeça posta a prêmio por 50 milhões de dólares.

Na verdade, a Guerra do Iraque, a mais recente, de 2003, em que, sob o pretexto de que o Iraque possuía armas de destruição em massa, os EUA promoveram uma verdadeira carnificina contra os Iraquianos, com um saldo, no fim declarado da guerra de 7.312 civis iraquianos mortos. Após o fim trágico do holocausto promovido pelos americanos no Iraque, deu-se a ocupação, que de acordo com informações da imprensa internacional, a sua presença mata, direta ou indiretamente, cerca de 36 civis iraquianos por dia, o que se levado à ponta da caneta, permite-se arriscar que o saldo de mortos ultrapassou a marca dos 40 mil em 2006, ou seja, a carnificina continuou.

Agora, em fins de 2009, a tragédia se volta ainda mais para o Governo Bush e para o povo americano. A União Européia iniciou uma série de investigações para averiguar se os EUA violaram os direitos humanos e a Convenção de Genebra em solo Europeu. O governo americano foi acusado de manter prisões secretas em vários países a fim de abrigar supostos terroristas. Essa informação ganhou credibilidade após várias publicações em jornais americanos. O que mais escandaliza a comunidade internacional são as denúncias de casos de torturas nessas referidas prisões, em especial a prisão de Abu Grabi e a de Guantanamo, em Cuba.

O fim da picada, uma crise já anunciada faz anos, explode no centro econômico norte-americano (e ninguém fez nada para impedir?). A lei do consumismo, introjetada na alma dos cidadãos estadunidenses, fez o sistema imobiliário entrar em colapso, o mercado onisciente e onipotente começa a dar os sinais de sua debilidade. A política de venda à qualquer custo,... custou, custou, custou,...caro! Tão caro que o improvável aconteceu: o Governo Bush (olha só que ironia) foi obrigado a estatizar bancos...E o mesmo aconteceu pelo mundo capitalista à fora.
O episódio que fecha este escrito é ainda mais trágico. Vocês sabiam? No apagar das luzes do governo Bush conseguiu realizar o final de governo mais humilhante da história americana. No dia 14 deste mês, em visita ao Iraque, o Presidente americano foi surpreendido durante uma entrevista em Bagdá, à TV Al Bagdadia, quando o repórter iraquiano Muntazer al Zaidi, se levantou e atirou, em rápida seqüência, os dois sapatos no intuito de acertar o rosto de Bush. O protesto ainda foi precedido de uma mensagem de despedida nada cortês. Ao arremessar os sapatos o repórter gritou, em árabe: "Este é seu beijo de despedida, cachorro". O fato foi capa de revista nos principais jornais do mundo e, por incrível que pareça, esse ato simbólico pode significar mais do que a simples rejeição ao Governo Bush, pode significar o início de um movimento de rejeição ao imperialismo capitalista norte-americano.

REFERÊNCIAS:
Segredos e mentiras do governo Bush. Disponível no site acessado em 25 de dezembro de 2008.

Repórter iraquiano atira sapatos em Bush; veja repercussão no mundo. Disponível no site Acessado em 25 de dezembro de 2008.

O dilema de Bush. Disponível no site Acessado em 25 de dezembro de 2008.

Protocolo de Quioto. Disponível no site Acessado no dia 25 de dezembro de 2008.

Kioto. Disponível no site Acessado em 25 de dezembro de 2008.

A doutrina Bush e a rapina do petróleo. Disponível no site Acessado em 25 de dezembro de 2008.

Cúpula latino-americana pede aos EUA fim de embargo a Cuba. Disponível no site Acessado em 25 de dezembro de 2008.

ONU pede fim do embargo norte-americano a Cuba. Disponível no site Acessado em 25 de dezembro de 2008.

sábado, 20 de dezembro de 2008

NATALIS SOLIS INVCTI: A GÊNESE DO NATAL

Por: Paulo André dos Santos.

Aqui no Brasil, é costume da sabedoria popular concordar que é um contra-senso “despir um santo para vestir o outro”. Ao saciar, no entanto, a curiosidade sobre a(s) origem(ns) do Natal, percebe-se que, a maior expressão cultural da fé cristã – hoje, nos países capitalistas, uma ótima oportunidade de adquirir dinheiro – foi inspirada no Natalis Solis Invcti, dia instituído pelo Imperador Aureliano, no ano de 273 d.C., a data de 25 de dezembro, para a celebração do nascimento de Mitra-menino, Deus Indo-Persa da luz. O Natalis Solis Invcti, que significava o nascimento do Sol invencível, era consagrado, também, entre diferentes povos pagãos, à partir de outros deuses equivalentes. Ou seja, além de Mitra, equivalentemente, os povos elegeram outros deuses para essa celebração. Foi o que aconteceu com Ra, deus egípcio, Utudos na Babilônia, Surya na Índia, Baal, para diante disso, também, o próprio deus greco-romano Apolo, do qual se emana na representação do Sol.
No instante em que o culto às festividades pagãs já estavam enraizadas na cultura popular, por um decreto estratégico de Constatino (317-337 d.C.), até então Imperador de Roma, o Cristianismo passa – à custa da perseguição aos povos pagãos – a se constituir na religião oficial de Roma. As homenagens que eram rendidas à Mitra, Baal, Apolo etc., converteram-se para um único ser, Jesus Cristo. Aos pagãos restaram aceitar a “Nova Fé” ou, inevitavelmente, serem julgados como hereges e merecedores de rigoroso castigo.
Esse momento histórico significou em Roma, em termos de configuração religiosa, uma revolução, em que, os que antes eram perseguidos, em virtude do seu crescimento vigoroso e, pela perspicácia do Imperador em ficar ao lado dos mais fortes, tornaram-se, insaciavelmente, perseguidores. Enfim, muitos anos se esgotaram até que os velhos deuses pagãos vieram ao esquecimento, sobrando ainda, como símbolos do paganismo a árvore, a guirlanda, as velas, os sinos e os enfeites.

Com isso, deuses e Cristianismo à parte, no século IV, no ano de 271, Nasce Nicolau de Bari. Filho de família rica, desfez-se de seus bens em favor dos pobres e desamparados, obtendo a reputação de mágico milagreiro e distribuidor de presentes. O que popularizou, no entanto, a figura de Nicolau foi, sobretudo, o seu amor pelas crianças. Foi então, que no fim da Idade Média que a lenda de Nicolau alcançou os colonos holandeses da América do Norte, quando assume o nome de “Santa Claus”.
Em fins do século XIX, já sob a esfinge de Papai-Noel, a figura de Nicolau já era capa de revistas, livros e jornais, aparecendo em propagandas do mundo todo – massifica-se assim a construção de um mito e de uma Ideologia de Mercado. O natal, antes visto como simplesmente uma data caracterizada pelo apelo ao amor, a paz e a fraternidade, passa a ser visto (pelos capitalistas mais atentos) como um perfeito álibe para a prática do consumo. Ciente disso, em 1931, a The Coca-Cola Company, aproveitando-se da popularidade do bom velhinho, contrata um artista e remodela o Papai-Noel, convertendo um elfo ou duende em uma figura humanizada e, portanto, universal. Foi uma jogada de mestre. Assim como Jesus roubou dos deuses pagãos as homenagens do Natalis Solis Invcti, o bom velhinho – aí diga-se: para atender aos anseios do Mercado – rouba de Jesus o título de principal símbolo do Natal. Será que isso tem perdão? Bem, deixemos essa discussão para outro momento.
O que importa hoje, imprescindivelmente, é refletir sobre um sentido mais nobre que se poderia extrair do Natal. Será que ainda, nos dias de hoje, é válido celebrar o poder econômico? Será que, o Natal, está servindo, verdadeiramente, ao amor e à fraternidade? Como pode existir amor e fraternidade em um contexto em que se exalta a exuberância das árvores natalinas, as fachadas de casas mais bem enfeitadas para celebrar essa época ou as suculentas ceias familiares? Será que, nesse momento, não estaríamos celebrando – talvez, inconscientemente – à posse de bens materiais? Será que o espírito Cristão, a história de Nicolau, ou mesmo, o senso de cidadania apontam para isso? Reflita!...
Afinal, será que você já pensou que praticamente metade da população mundial vive na pobreza? O fato é que no Natal, o que se está celebrando, intrinsecamente, é a manutenção da exclusão social, brinda-se, portanto, à posse daqueles que têm, à custa da miséria famigerada de grande parcela da população, que, humilhantemente, são obrigadas a consumirem, fantasiadamente, os sons e imagens exibidos nos Outdoors pela cidade, na televisão, nas estações de rádios etc. O fica para eles? O que a esses afortunados sobra? Catastroficamente, nada mais do que a constante imersão e o acordar de um sonho impossível. E alguns, de forma cruel ou inocente, ainda são capazes de cuspir na cara dessas pessoas um ressoante Feliz Natal.

REFERÊNCIAS:

História do Natal. Disponível no site: acessado em 20/12/2008.

A verdadeira história do Natal. Disponível no site: < http://ceticismo.net/religiao/a-verdadeira-historia-do-natal/ > acessado em 20/12/2008.

Metade da população mundial vive na pobreza, alerta ONU. Disponível no site: < http://www.viaseg.com.br/noticia/1358-metade_da_populacao_mundial_vive_na_pobreza_
alerta_onu.html > acessado em 20/12/2008.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Esqueça os seus ouvidos!...


Por: Paulo André dos Santos.

Quando se fala em classificar a qualidade de vida, deixar de elencar a questão da harmonia sonora do ambiente aonde se mora é uma insanidade. Imagine passar horas angustiadas em virtude da poluição sonora na rua em que você mora. Você tentando assistir, em casa, a um filme ou em ler um livro, ou mesmo, descansar um pouco...e aquele barulho insuportável de carros com som potente, ou mesmo, o som do novo aparelho Micro System adquirido pelo vizinho invadindo os seus tímpanos... Imaginou? É um teste de paciência, não é? Na verdade, não precisaria ter solicitado a você que imaginasse, mas, que simplesmente, lembrasse, apenas. Afinal, quem nunca esteve submetido a tal incômoda situação? Possivelmente, alguns felizardos residentes nos condomínios mais luxuosos da cidade. Palavras, existem muitas bonitas, no entanto, elas não têm sentido algum se não afirmarem o seu significado. É o que acontece, por exemplo, com palavra da lei. Bom, pelo menos, nas comunidades menos assistidas pelo poder público. É cada dia mais numerosa a quantidade de carros e casas equipados com potentes aparelhos de som nos bairros da cidade. O desejo que aflora nesse momentos é o de justamente ter nascido surdo, pois, nessas horas seria uma grande comodidade. Esse problema se dá, e aqui cabe pontuar, em grande parte, pela proliferação epidêmica dos bares nos bairros periféricos. Para os governantes é uma oportunidade de gerar renda e impulsionar o comércio local, permitindo a ampliação da arrecadação de impostos. A consequência disso é o que, geralmente, os governantes negligenciam: a situação de constante desconforto que aflige a população. A fiscalização existe, mas, não funciona. Aliás, como a grande parte dos serviços de utilidade pública ofertados pela máquina pública. A fiscalização só funciona nos bairros ditos nobres, aqui na cidade de Salvador. Recentemente, por exemplo, um bar foi fechado no bairro do Imbuí por que fazia muito barulho e invadia a rua com cadeiras, atrapalhando o trânsito e a paz dos cidadãos de bem do bairro. Infelizmente, a iniciativa não é a mesma para os bairros periféricos. O problema da poluição sonora é uma coisa séria em muitos bairros – considerados periféricos, assim dizendo - da cidade de Salvador e, em muitos casos, resta ao pobre cidadão esquecer dos ouvidos, pois, como vem acontecendo em muitos bairros considerados como área de risco, nem o SAMU entra. Você pode imaginar a aflição dos moradores? E não pára aí...o cidadão que se sentir incomodado com o carro-de-som, para não amanhecer, como se fala entre os populares: com a boca cheia de formiga; tem que tomar o cuidado de saber antes quem é a pessoa que está querendo levar alegria a todos os lares, o dono do trio-elétrico particular. Caso contrário, corre o sério risco de ser vitimado com agressões verbais e físicas, ou até mesmo ser alvejado com arma de fogo ou arma branca. Para os cidadãos inseridos nesse contexto de opressão, o conselho dado pelos donos da rua – e do bairro – é: esqueça os seus ouvidos, a sua boca e, para garantir a sua integridade, os seus olhos também.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Aos amigos...

POR: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS

...Foi assim que muitos líderes políticos conseguiram perpetuar por décadas o projeto de poder idealizado. O requisito para o ingresso na lista dos agraciados era – e ainda o é, em muitos casos – o resultado de um banquete de marmeladas, é o que se costuma chamar de negociatas. Revestidos pelo manto do poder, os arquitetos do reinado se reuniam (em) constantemente para discutir quem iria (á) comer da sobremesa e a quem caberia (rá) a nobre missão de lavar os pratos.

Parece ficção, uma simples expressão das artes cênicas, mas, esse é o perfil do poder, faminto e usurável. A velha panelinha, tão conhecida dos campos de futebol, ganha no corpo político uma conotação ainda mais repugnante. É tendencioso, como afirma Ribeiro (1998), todo indivíduo ou grupo de pessoas, representando determinada parcela da sociedade ou defendendo os próprios interesses, ao conquistar uma posição de poder almejada, estará tentado a fazer o possível para conservá-la.

O esforço investido para assumir o poder – e nele se perpetuar – pode se comparar com as forças reunidas nas “épicas” Cruzadas, em que, em nome da fé, muitas vidas foram ceifadas. Mas não é da vida corpórea que a política se reveste, o que aos poderosos interessa é a sua preservação, o conservadorismo, a manutenção da ordem estabelecida.

Para isso, Vale Tudo! Enquanto o lado mais forte se ocupa de escrever as regras do jogo; o lado mais fraco – munido de armas e trajes menos expressivos – limita-se a encenar o gesto íngreme da derrota. E na hora do combate, eloqüentemente, exclama o apresentador: Show time! E a torcida, fervorosamente, repete em tom ensurdecedor: É a hora do Show! Animada, a imensa maioria dos presentes no local deposita todas as esperanças em Mundanes, um ex-escravo, que conseguiu a liberdade após anos de heróica resistência... A luta começa e,... para a perplexidade dos torcedores, termina rapidamente... Será que valeu o ingresso? ... Foram segundos de um silêncio perturbador... Muitos custavam a acreditar no que acontecera. Trambique, um experiente e desonesto lutador, que vendeu os préstimos de toda a sua habilidade em troca de algum conforto para a sua família, venceu facilmente. É desse modo que geralmente acontece. São poucos os que na torcida podem dizer simplesmente que já sabiam do resultado. A maioria sequer cogitou que o quadro do espetáculo já estava pintado e que os papéis de vencedor e vencido já estavam desenhados.

Isso é o que alguns chamam de jogo político: uma disputa sem disputa, uma batalha de bastidores. Pelo menos é o que deve pensar os tarimbados na arte de vencer. Utilizam-se de todas as manobras – éticas ou não – para conquistar, preservar e ampliar os poderes. A sabedoria popular costuma dizer que o Diabo conhece a bíblia de trás para frente. Assim também, quem está em uma posição de poder procura conhecer os princípios que regem os dois lados da batalha – o manual de vencedor e de vencido. Ao lado do travesseiro dos poderosos residem desde os escritos marxistas até os manuais escritos pelos defensores mais ferrenhos do capitalismo.

Quando isso não acontece, sempre estão muito bem assessorados a esse respeito. Aí fica uma pergunta: e os vencidos? Como se orientam nesse sentido? Afinal, faz centenas de anos que Tzu escreveu que para vencer o inimigo – aqui leia-se oponente - é preciso tomar alguns cuidados básicos. É fundamental saber até a quantidade (e a qualidade) do oxigênio que o inimigo está respirando; infiltrar espiões a fim de obter informações preciosas, corromper oficiais das tropas inimigas e desestabilizá-las, enfraquecendo-as.

Essa é uma metáfora interessante que pode se interpretada ricamente de diversas maneiras. Quem detém o conhecimento, assim o faz. Dentro do corpo político as relações estabelecidas estão baseadas justamente no antagonismo. Cada corrente ideológica tenta legitimar os seus ideais e aniquilar a ala adversária...Assim, como já aconteceu muitas vezes, dossiês são construídos ou forjados a fim de convencer a opinião pública de que aquele segmento que se encontra no status de poder está corrompido, não sendo justo a sua continuidade.

Como os militares diziam na publicidade da época da ditadura, ao expressar o seguinte: Brasil: ame-o ou deixe-o. Hoje, o que figura na relação política é mais ou menos assim. Não que se deva deixar de fato o Brasil, mas na política, quem não se alinha com determinada ideologia está em iminente risco de cair no ostracismo, uma prática muito comum nos anos de chumbo, da ditadura militar. O que se denuncia então é uma ditadura dentro da democracia. A sociedade ainda está permeada em sua lógica por esse viés...Acontece não só na Política, assim formalmente dizendo, mas, na escola, no trabalho, enfim, nas relações sociais.

A sociedade ainda rejeita a posição de antagonismo...Ainda não aprendemos a dissociar a idéia do sujeito...Aqueles que exercem uma posição contrária a nossa tem que sofrer – como muito se costuma dizer – um corretivo. É como se nós fossemos os únicos e, numa espécie de síndrome Highlander, o instinto predatório nos domina e nos inclina a nos convencermos de que só pode haver um: o oponente precisa ser derrotado e humilhado. Isso nos foi incutido, construído historicamente e proliferado através dos mecanismos de reprodução cultural. São os resquícios da ditadura. As marcas de um período que se prolonga, haja visto, a lentidão das mudanças na maneira de pensar de um povo.

O poder, diz Hunter (2004, p.28), corrói os relacionamentos. A sede que sentimos, a nossa vontade de potência, que nos impulsiona, como servos a ambicionar o lugar ocupado pelo nosso senhor não é ilegítima...E nesse momento, cabe complementar uma inferência anterior: o que torna o poder um agente corrosivo não é a sua essência, mas a sua má aplicação, é o seu desvirtuamento. Uma coisa em si não pode representar nada de abominável, mas, a maneira que a observamos e interpretamos, assim como, o uso que fazemos dela.

Enfim, olhos bem abertos seria um bom conselho, quando na realização de uma determinada análise política-ideológica. Perceber realmente o que está acontecendo ao entorno é um exercício exaustivo. Muitos se limitam a dizer: Eu quero sombra e água fresca. Cuidado! Alguém pode cortar a sua árvore e, talvez, um dia possa lamentar de não ter vigiado as redondezas.

REFERÊNCIAS:

RIBEIRO, João Ubaldo. Política: quem manda, por que manda, como manda. 3.ed. rev. por Lúcia hippolito. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

TZU, Sun. A arte da guerra. Trad. De Sueli Barros Cassal. – Porto Alegre: L&PM, 2008. (Coleção L&PM Pocket)

HUNTER, James C. O monge e o executivo. Trad. Maria da Conceição Magalhães. Rio de janeiro: Sextante, 2004.

sábado, 13 de dezembro de 2008

No caminho de Zaratustra

POR: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS.

Estupidamente alucinados, percorremos, cegos e aleijados, as ruas fétidas da cidade. Cerceados pela rotina diária, em uma espécie de repetição interminável, que nos bitola o pensamento e o corpo, sequer percebemos os efeitos assombrosos dos bombardeios que nos pulverizam, dia-a-dia, a alma. É um massacre intensivo e constante, que não se restringe a algumas agulhadas de vez em quando, mas, uma agressão vitalícia, uma condenação perpétua. Sofremos a irradiação nuclear desde o nosso primeiro suspiro, desde, os primórdios da nossa (pseudo)compreensão de si mesmo. E aqui, caro leitor, cabe denunciar uma coisa: a nossa compreensão de si mesmo é uma farsa! Um engodo jogado aos peixes mais famintos. O cheiro dessa isca faz com que as presas mergulhem nos mares da euforia e no vício pela certeza, como que, dessa forma, cada um possa se alimentar e se manter vivo, uma vez sentado ao trono da verdade. Pura ilusão! Não há nada mais morta e mentirosa do que a verdade. Ela, em síntese, nada mais é do que um broto natimorto; antes de fincar as suas raízes na terra, as suas folhas e frutos já jazem. Assim falou Zaratustra! Desse modo escreveu Nietzsche muitas vezes ao anunciar o rompimento possível para superar o modelo pífio de homem. Trata-se, pois, de tirar o homem de sua inclinação à fraqueza. Este homem, um verdadeiro abismo profundo, é uma utopia a ser incessantemente perseguida pela humanidade. Para isso caminha as metas da educação para o futuro: formar o super-homem. Reunir nos sujeitos as virtudes mais admiráveis que alguns iluminados revelaram em algum momento da história. Liberdade! Ou melhor, consciência de liberdade. Está aí o motor do desenvolvimento do homem. Ao invés de aprisionados à (pré)conceitos, o super-homem, arrisca-se por caminhos desconhecidos em busca de outras possibilidades. Ao invés de ser conduzido pelo ritmo imprimido pelo mundo do trabalho e pelas práticas sociais, o homo-trancendentus tem o dote de comandar o seu próprio ritmo. A autonomia é o seu princípio e o seu fim. Assim, quem sabe um dia...nasça como um lampejo dos céus o primeiro de uma série de homens livres das algemas de um modelo de sociedade, até então, firmado sobre o alicerce da repugnância, da inveja, do ressentimento, dos etno-centrismos, da arrogância, do orgulho, etc.

REFERÊNCIAS:

NIETZSCHE, Frederich. Assim falou Zaratustra. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 1999.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O Quorum participativo

POR: PAULO A. DOS SANTOS

Viva a liberdade! Abençoado seja os iluministas do Capitalismo, assim declamam os ditos liberais. My Profetic, dizem eles, afirmando que já sabiam do fracasso do Estado antes mesmo que nascesse o arquiteto da sua existência. ... Ah! Que regozijo sentimos ao ouvir soar a trombeta da liberdade. ... Tão divina seja a oportunidade de competir, tão suprema seja a capacidade humana de exercer o livre arbítrio da concorrência. O Estado – dizem eles – sempre se apresenta a nós como um Baal. É um deus charlatão e gastador. Desmazelado, faz sangrar das nossas veias o sangue que produzimos... E, por isso, não merece estar à frente de nossos negócios, não é sequer digno de olhar de soslaio para a riqueza que brota de nosso suor. ... Assim, exímio oportunista, o oráculo do Mercado anuncia aos rebanhos toda a sapiência e “imparcialidade” que possui na conduta de suas deliberações...É,...realmente,...é uma sabedoria de dar inveja. ...Mas,...porventura, fica aos ouvidos curiosos o zumbir de um incômodo mosquito. ... Qual o senhor que observa de bom agrado a liberdade de seus escravos? Afinal, que livre arbítrio de concorrência é esse? Qual a liberdade que religiosamente se prega (e se emprega) em um jogo de cartas marcadas? ...Como se pode notar, as perguntas que emergem à partir da análise desse contexto são intermináveis. O curioso, nesse cenário, é que os papéis representados na estrutura social e econômica se revelam tão inalteráveis, apesar da livre concorrência. ... O teatro do bem e do mal se apresenta excessivamente enfadonho. Os vencedores são sempre os mesmos e os derrotados – cansados desse eterno Déjà vu 1 - deixam-se conduzir inertes à denominada livre competição...Estão tão acostumados à posição de “perdedores” que, fatalisticamente, acabam incutindo que a condição estabelecida para eles é coisa do destino, portanto, somente a mão de Deus seria capaz de mudar. ... Ó! Tragédia, as cartas estão à mesa, o tarô, os gurus e a cartomante definem dentro de um quorum, estabelecido ardilosamente, os papéis, já reservados previamente, para senhores e para os escravos. Aproveitam-se dos recursos ( e dos discursos) para legitimar o mérito de cada um dos atores. Ou seja, cada um assumirá o papel que couber nos seus méritos. Afinal, está servido o manjar dos deuses (e dos diabos), a livre concorrência. Só resta a eles dizer – como que entre leais e cordiais concorrentes – boa sorte! ... O que fazer? Resmungam alguns insatisfeitos com a regra do jogo. Perdidos e aprisionados na idéia de fatalidade, não conseguem insinuar uma atitude capaz de mover uma palha, ou, pelo menos, de conseguir o fósforo. ... O deus onipresente e onisciente do Mercado não permitiu que todos os times da competição usufruíssem das mesmas condições de organização e, portanto, de competição. Será que resta aos fracos o grito do famoso poeta baiano, Castro Alves? Será que resta aos oprimidos rasgar o céu com a indignação dos desvalidos? ...Se for assim, assim poderiam dizer: “...Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade...Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas...Co’a esponja de tuas vagas...De teu manto este borrão?...Astros, noites, tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão!...” ...Trata-se de um poema muito bonito, O navio negreiro. ...Ainda assim, de certo que não resolveria o problema, apesar da força e beleza poética desse discurso. Ao invés de se limitar à busca da felicidade nas pequenas coisas e nos pequenos atos, os coadjuvantes – assim elegidos pelo Sistema – precisam conquistar o protagonismo de suas próprias vidas. Essa é a condição necessária para que haja uma redecoração dos camarins da Periferia. Alguns dizem que a maioria sempre vence, mas, nesse caso,...pode-se inferir que está na maioria o maior potencial de vitória, o que não significa, em si, a concretização dela. A posse do poder não faz seu detentor, poderoso; é, portanto, a consciência e as habilidades de articulações que fazem do possuidor do poder um sujeito poderoso.



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1 Termo da língua francesa que significa literalmente, já visto, constituindo-se em uma reação psicológica, que interpreta uma repetição de eventos, como a sensação de já ter visto uma cena ou um cenário que a lógica diz que não aconteceu.