sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O inferno d’antes.



Antes, não tínhamos comida,
Hoje, reclama-se o sal.
Não tínhamos casa, guarida.
Hoje, comemos muito e mal.
*****
Agora, estamos salubres, contritos.
Protagonistas de um psicodrama abismal.
Estamos em pânico, aflitos.
Nossa eterna novela semanal.
*****
Falta ainda a queixa resignada,
O silêncio que incomoda e incrimina.
Nos trazendo à tona a culpa velada.
De uma vítima inocente e franzina.
*****
Mas o mistério deveras se firma imponente,
Um inferno d’antes vivido, intenso e duradouro, vazio,
Agora, um deleite excessivo, alucinado, um sutil delírio,
Sem gosto, sem fruto, sem semente.
*AUTOR: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Cisso.


Autor: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS.

[Era o fim de uma tarde muito fria na cidade. Eu estava muito cansado, tinha trabalhado muito naquele sábado. Haviam muitas crianças com resfriado na região. Eu não via a hora de chegar em casa. Aliás, fazia alguns dias que eu não aparecia por lá. Lembro que fui interrompido no momento em que organizava os prontuários, para levá-los pra casa. Apesar de ter sido um dia nebuloso, os raios do sol rasgavam as nuvens e, de certa forma, fazia com que todos lembrassem de que naquele dia ele existira. Àquela altura, já não havia mais pacientes para atender. Eu estava pronto para sair. Recordo que naquele dia, uma lágrima me segurou. Uma lágrima de menino. De um menino que chegara ao Posto de Saúde em desesperadas súplicas.]

- Dotô! (Disse o garoto).

- O que foi menino? O que fazes sozinho neste tempo frio?

- O sinhô tem remédio?

- Pra quê?

- Pra curar dor?

- Venha! Vou ver o que você tem? Sente alguma coisa? Aonde dói?

- Dói dentro, Dotô.

- Qual o lugar, filho?

- Na alma. O sinhô tem remédio?

[Fiquei alguns instantes um pouco atônito com a resposta do menino. Senti uma piedade muito grande ao ouvir o menino falar de uma coisa tão séria. Era cedo de mais pra viver um sofrimento tão duro. Aquele garoto sofria precocemente. Uma dor assim não deveria assaltar uma criança. É tão triste perceber que, logo cedo, as crianças de comunidades pobres são convidadas a conhecer o duro mundo dos adultos. O mundo da pobreza, em que os sonhos já morreram, mas que a esperança, felizmente, ainda agoniza.]

[Fui rápido. Aquele menino feito em trapos de pano aguardava ansiosamente uma resposta. Lembrei que sobrara algumas pastilhas de hortelã em meu bolso. Sempre gostei de usá-las nos momentos de descanso.]

- Você quer uma pastilha de hortelã, filho?

- Quero. Sempre gostei de pastilha.

[Passei a pastilha para as mãos dele. Ele as recebeu alegremente. Mas é um sorriso momentâneo. Eu sei disso. É uma trégua. Um curto momento em que, quem sofre, dá-se o direito de um ligeiro sorriso.]

- Como é o seu nome, filho?

- Cisso.

- Mora muito longe?

- Não. Moro logo ali perto. Tá vendo aquela casa lá na frente? Eu moro ali.

- Por que saiu de casa sozinho? Pode ser perigoso.

- Não gosto de ver a minha mãe sofrer.

- Ela está doente?

- Não. Está sofrendo?

- O que ela sente?

- Dor. Que nem eu. Dor na alma.

[Um nó engasgou a minha garganta. Vi que poderia ser doloroso prosseguir com mais perguntas. Às vezes, vale mais ser presenteado com um sorriso do que buscar saber ao menos o nome do desconhecido. Embora não soubesse muito sobre Cisso, eu sabia o suficiente para comover-me com a sua história. A história que é a mesma de muitos meninos das redondezas. A sua mãe, coitada, deve ter problemas na relação com o marido (se é que tem um). Deve passar por dificuldades em casa. Talvez, chore todas as noites, lamentando a falta de pão na mesa. Cisso deve ter muitos irmãos. Eles provavelmente disputam, pelo merecimento, as pequenas coisas que a família pode comprar.]

- Cisso. Você quer tomar um suco lá no Freitas? Ainda está aberto.

- É muito custoso Dotô. Eu não tenho moeda não.

- Eu pago pra você. Eu estava pensando em fazer um lanche mesmo. Lá poderíamos continuar a prosa.

- Se for assim eu aceito.

Então, fomos ao Freitas. Cisso comeu com muita satisfação. Parecia que a muito tempo não comia. A sua névoa de tristeza, pelo menos, naquele momento, havia desaparecido.

- Sabe Dotô. Parece que a minha dor está passando.

- Você se sente melhor, Cisso?

- Agora estou bem. Ao menos até chegar em casa. O sinhô me deu cura.

- Como? Não fiz nada.

- A mãe disse uma vez que fé cura. Acho que você me deu um pouco de fé. Vou dividir com a mãe quando chegar em casa. Obrigado, Dotô. Obrigado por ter me visto, quando ninguém viu. Por ter escutado quando ninguém escutou. O sinhô com certeza vai ter o seu próprio anjinho no céu. Que vai te proteger também.

[O garoto se despediu de mim com uma silenciosa gota de lágrima. Não uma lágrima de tristeza, mas, de uma alegria perene, rara; que, aos meus olhos, constrói as pequenas fibras da esperança. O sol, naquele dia, iluminou as frias noites no barraco de dona Maria, mãe de Cisso. E fico feliz hoje, ao ver que Cisso conservou aquele filete de esperança. Não só o guardou, mas, fê-lo florescer. Fazendo nascer uma árvore frondosa. Hoje, vinte anos depois, Cisso é um jovem bem sucedido. Trabalha no Corpo de Bombeiros, ajudando a salvar vidas e a resgatar a esperança daqueles que já se entregaram.]

sábado, 17 de outubro de 2009

A agonia da escrita



AUTOR: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS.
Nos momentos decisivos, nas horas em que realmente precisamos, ao nos encontrarmos diante de uma situação em que temos o poder de confirmar o êxito, não é muito raro sentirmos o amargo gosto da frustração. Quando isso acontece, somos muitas vezes, possuídos pela apatia e pelo sentimento de culpa de não ter conseguido aproveitar a chance. Essas experiências são, em determinadas ocasiões, agonizantes, pois, percebe-se que o momento precioso vai lhe escapando às mãos. Um exemplo que reflete muito isso é quando estamos a escrever um bom texto. Lamentamos lamuriosamente quando as boas idéias nos fogem. O texto se perde em nosso abismo interior e a caneta perde, indignada, a oportunidade de deslizar mansamente pelo papel. Diante disso, suamos muito, sofremos demasiadamente como se a perda fosse definitiva. Mesmo assim, de acordo com a necessidade, persistimos. Concentramos as energias para recuperar o texto perdido. Mergulhamos destemidamente nos mares da consciência, a fim de trazer de volta a caixa de relíquias, naufragada nas profundezas. E quanto mais a procuramos, sentimos no corpo as nossas limitações. Uma vez ou outra perdemos o fôlego. O insucesso nos faz retornar à angústia do desamparo e à superfície, de mãos vazias. Há, nesse instante, uma sensação infante de certa debilidade e desespero, um medo e uma fragilidade que nos colocam como crianças perdidas em meio à multidão. No entanto, ao viver a plenitude desse desespero, ao provar da angústia de “não saber”, passamos pela linha de chegada e novos significados se perfazem em nossa mente. Já não somos os mesmos! A depender da nossa força de espírito, saímos mais fortes e a nossa voz interna, antes sufocada nos mares profundos, começa a retornar a superfície, mais confiante de si mesma. Voltamos a sentir mais o sabor da escrita. Voltamos a degustar deliciosamente cada palavra. O texto, então, surge novamente. Agora, mais vivo e colorido. Mais nítido e belo. Ornamentado com as mais belas flores colhidas nos bosques das florestas, nos mares de dúvidas pelos quais navegamos, naufragamos e ressurgimos.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A galáxia dos anônimos.




Ouçam! Ouçam o cântico que vem das praças.
Ouçam a melodia que transborda nas estações de trem.
Ouçam! Podem salvar os seus dias.
Desarmem, pois, os teus espíritos e confortem as tuas almas.
Recebam o toque das cordas e vejam-se parar no tempo.

***

Sintam-se emergir das tuas páginas esquecidas.
Ouçam! Confortem as suas almas.
Ouçam a voz que vem da multidão.
Alguém poderá mudar as tuas vidas.
Ouçam, pois, a música. Ouçam! Escutem vossos corações.

***

Vejam o brilho nos olhos. Vejam a força de espírito que lhes são despejados.
É presente! Uma dádiva. Deem uma chance ao anonimato.
Deem uma chance a si mesmos, de ouvir uma bela canção.
Nas ruas, nas praças, ouçam, pois, a canção.
Sejam testemunhas de um milagre. Vejam que reclamais em vão.

***

Ouçam, pois, a vida é poesia, é musica, é sempre uma bela canção.
Um choro, um sorriso, é sempre uma bela canção, uma poesia, um sim, um não.

Autor: Paulo André dos Santos.

sábado, 10 de outubro de 2009

A dúvida.



AUTOR: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS.

Há alguma coisa que possa angustiar mais do que a dúvida? Há uma gota de esvaziamento, uma sensação de caos perturbador na dúvida. Há uma torrente de incertezas, um abismo tão escuro que parece não haver chão. Como somos tão viciados pelas certezas, a dúvida gera, a depender da situação, um pânico enorme, um grande desespero. Em contrapartida, a dúvida nos dá novas possibilidades, novas oportunidades de ver o mundo - o nosso mundo. Ao mesmo tempo em que a dúvida pode nos oferecer um crescimento positivo, ela pode, quando aprisionada em nossas mentes, deixar-nos em estado de imóvel perplexidade. Então diante disso, o quer fazer com a dúvida? Nada? Fazer nada é muito perigoso, a não ser nos momentos em que tivermos a clareza de que essa é a melhor solução. A dúvida não é, portanto, em si, positiva ou negativa. A dúvida não é o que nos salva, mas, inevitavelmente, o que fazemos dela.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A correria.



POR: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS.

A população das grandes cidades brasileiras tem crescido muito rapidamente, nos últimos dez anos. Tem tanta gente, que fica difícil sair de casa em determinados horários. É um engarrafamento pra tudo. Enfrenta-se filas quilométricas no trânsito, nos bancos, nos hospitais, nos terminais de ônibus, etc. Enfim, é tanta fila, é tanta espera, que, para fugir delas, logo que inicia o dia, descumprimos os limites que regulam a nossa existência. Muitas vezes, não percebemos sequer a sintonia necessária entre mente e corpo. Aquela voz lá dentro que grita, que nos pede pra parar, que nos pede pra descansar. Os estados, os ânimos, os estresses, as pressões emocionais e as dores, passam muitas vezes desapercebidas, deixando conosco, sempre, alguma marca ou patologia, em fase de incubação. A correria, nesse sentido, preocupa. O preço pago por isso é, em muitos casos, alto demais. A vida não combina com correria, nem tampouco combina com falta de movimento. Vida é movimento, mas, tem um movimento próprio, um tempo próprio, que deve ser respeitado, sob o risco de ter que parar definitivamente.

O grande capital das empresas


POR: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS.

Todos os dias pela manhã, quando abrimos a janela da mente para o mundo, percebemos que a nossa vista se encontra o futuro. Não o futuro em si, mas, um jogo de possibilidades, uma imensa cadeia de perspectivas boas e ruins que nos obrigam a assumir posições estratégicas.

Está tudo interligado, tudo se relaciona com tudo e, nesse sentido, o bom e o ruim coexistem. Sucesso e fracasso se relacionam de maneira umbilical, dependendo um do outro. Assim, com o fracasso de hoje, podemos construir o sucesso de amanhã. A humanidade segue, portanto, o seu natural caminho de evolução.

Em um caso específico tão presente no nosso cotidiano, podemos citar as empresas, que para viabilizar a própria sobrevivência, incorporou a sua cultura operativa o conceito de liderança e de liderados. É como se estivessem realmente mergulhadas em uma guerra, em uma arena de combate. E nessa empreitada, a qualidade da relação estabelecida entre líderes e liderados é imprescindível.

Não se pode mais conceber atualmente o espaço das empresas com um simples ambiente coletivo, onde trabalham um determinado número de pessoas. Por isso, talvez, muitas das empresas tem se tornado, cada vez mais, um corpo-ação, uma corporação. O coletivo idealizado assume um aspecto mais integrado, interligado, inspirado, sobretudo, por objetivos comuns.

Nesse sentido, o ambiente coletivo das empresas passa a ser visto como ambiente de equipes, onde as pessoas são convidadas a realizar, cada uma, um papel específico, dentro da organização do processo produtivo. Para isso, são algumas iniciativas servem de estímulo, em termos de valorização da atividade e do profissional, abrindo possibilidades para que cada pessoa possa compreender a importância de sua atividade nas empresas.

Por outro lado, em virtude da necessidade de assegurar a competitividade no mercado, algumas empresas acabam, de certa maneira, espoliando qualquer possibilidade de ter em seus espaços, ambientes de equipes, num sentido legítimo. Cria-se dentro da cultura dessas empresas, uma mentalidade estruturada no pragmatismo, onde os resultados são o que realmente importa, esquecendo-se muitas vezes, de que os resultados, para serem conseguidos, precisam de pessoas.

Com isso, perde-se a oportunidade de caminhar em direção ao sucesso duradouro. Priorizando o aqui e o agora, através, unicamente, da política de resultados, as pessoas começam a agir mecanicamente, por puro interesse salarial e não, como deveria ser: por saber da importância que cada um representa na cadeia produtiva.

Isso não quer dizer que as pessoas não agem também por interesse salarial, pois, isso é uma condição para a vida delas em sociedade,mas, não deve se restringir a isso, uma vez que as pessoas querem se sentir felizes onde estão trabalhando e o salário delas não é a única condição para isso. O salário, nesse sentido, é uma das recompensas e, em alguns casos, não a maior delas.

Há pessoas que ganham um salário muito bom onde trabalham. Entretanto, sempre se revelam insatisfeitas com aspectos interpessoais dentro das empresas. Isso demonstra que não é somente o salário que traz a satisfação às equipes. Existem coisas que também precisam ser observadas, como por exemplo, o grau de ética que estão norteando a relação nas empresas.

A ética é o alimento das empresas. Para que elas possam “ter vida, e vida com abundância”, precisam ter em seu ambiente corporativo, perspectivas de relações humanas de respeito às particularidades de cada pessoa, desde que esta não esteja prejudicando a coletividade. Afinal, as pessoas são o capital mais importante das empresas, o capital humano. São, sem sombra de dúvida, o ar que enche os pulmões das empresas, que as fazem respirar e a continuarem vivendo.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Gritos inaudíveis



Nas manhãs de domingo,
Pernas e braços gingam em eloquentes movimentos articulados.
Entre faixas e sinais, um espetáculo curto, mínguo,
Em troca de alguns trocados.

***

Enquanto poucos tem o mundo,
A muitos restam apenas lembranças,
De um sonho vivo e profundo,
De um sonho antigo de criança.

***

A cidade não para, o tempo não para,
Os sinais piscam intermitentes.
Garotos somem em meio às faixas,
Pedintes, comerciantes, reticentes.

***

Põe-se o sol, surge a lua,
Na imensidão do céu noturno.
Nas calçadas, nos abrigos, nas ruas,
Choram-se lágrimas em gritos mudos.

***

Rostos tristes na penumbra,invisíveis aos paletós,
Dos homens que velozes indiferentes,
Cegos e surdos às súplicas,
Pedidos de socorro para esperança.

Autor: PAULO ANDRÉ DOS SANTOS.