sexta-feira, 1 de maio de 2015

E se fosse seu filho?

Por: Paulo André dos Santos1.
Será que todos fariam o mesmo que Abraão? Seria alguém capaz de sacrificar o próprio filho? Lembremos, do caso do índio Galdino, que foi vítima de cinco jovens estudantes, no dia 20 de abril de 1997. Um aspecto que mereceu atenção, na época – e por que não dizer, hoje -, foi a entrevista de um dos pais, quando indagado pelo repórter sobre o fato do filho ter participado do crime, queimando vivo o índio, que dormia em um terminal de ônibus. Para a surpresa de todos, ele respondeu que se tratavam, apenas, de crianças. Será que, para o pai, o ocorrido não era capaz de destituir o filho da “aura da inocência”, embora tenha sido um crime com requintes de crueldade? Mas, e se fosse você, caro leitor, o que faria? Entregaria seu filho às autoridades, a fim de que respondesse pela barbárie que cometeu? Seria capaz de entregá-lo, mesmo sabendo que o sistema carcerário brasileiro é muito mais uma escola do crime do que um centro de recuperação social? Seria capaz de entregá-lo, mesmo sabendo que boa parte dos presos são submetidos a situação degradante? É possivelmente pensando nisso, que o pai de um dos acusados tenha causado tanto estranhamento à sociedade, ao afirmar que se tratavam, apenas, de crianças. Assim, ao contrário de Abraão, que deu o próprio filho em sacrifício, é difícil aceitar a ideia de que pais, que tenham em si a consciência da dimensão do sistema penal brasileiro, fossem entregar os filhos para as autoridades. Por outro lado, e se fosse o inverso? Se fossem os índios, os assassinos? É certo que seriam caçados, presos e demonizados, sem nenhum constrangimento. Seriam, sem dúvida, barbarizados. Esse caso nos serve de reflexão, sobre uma problemática de nossa sociedade: a falta de isonomia. Falta isenção no julgamento social. Falta, sobretudo, uma adesão sincera às regras do jogo. Na vida social, quais seriam tais regras? De fato, são as normas sociais, em especial, aquelas cristalizadas no espírito das leis. A nossa Carta Magna sentencia que todos são iguais perante a lei, mas, na prática, não é o que acontece. E há uma distorção nisso, pois, mesmo que todos fossem iguais perante a lei, isso os tornaria iguais de fato? É tratar com igualdade os diferentes. Ou será que deveria haver uma proporção que ajustasse o tratamento de acordo com o grau de diferença? Na verdade, justo seria se a pena fosse multiplicada, à medida em que fossem comprovados o grau de esclarecimento de cada um dos indivíduos. Afinal, não é assim que se dá no meio familiar? Uma criança de dois anos deve ser cobrada da mesma maneira que uma criança de sete anos? Um estagiário deve ser cobrado da mesma forma que um profissional experiente? Então, diante disso, como pode uma pessoa que não teve uma oportunidade viável de acesso, por exemplo, à educação formal ser, em geral, mais facilmente enquadrada criminalmente do que alguém com nível de educação superior? Não seria isto uma distorção? Não seria cobrar mais a quem menos tem a oferecer? Sendo assim, não ficaria demonstradam, desse modo, a institucionalização da injustiça social? Será esta a “sacralização” do mais forte em detrimento da demonização do mais fraco? Caso seja realmente, como poderíamos observar isto nas relações de trabalho? É possível uma analogia com a vida política no país? Provavelmente. Nesse sentido, então, realizemos uma analogia dessa relação de paternidade com o campo de política. Retornemos para um ponto mais próximo do objeto. Podemos tomar como exemplo, o fato protagonista atual – o embate político, social e econômico do momento, traduzido na mobilização de diversos segmentos da sociedade organizada, a fim de evitar o que temem ser a pulverização dos direitos trabalhistas previstos em lei. Assim, travam-se as mais ferrenhas lutas, constroem-se factóides, discursos, depoimentos e pesquisas, para conferir legitimidade às ações a serem implementadas. Em outras palavras, pretende-se a “flexibilização das relações de trabalho”, no intuito de ampliar o leque de atuação para os serviços terceirizados, no Brasil. Nesse momento, surgem inúmeros gurus de plantão. Alguns dizem que a proposta irá gerar mais empregos, oxigenar as empresas e fortalecer a economia nacional. Já outros, vão na direção contrária, afirmam que não necessariamente haverá acréscimo de postos de trabalho e que, provavelmente, os trabalhadores ficariam mais vulneráveis. Ainda existem aqueles que buscam um meio-termo para a questão, dizendo que é necessário regulamentar o segmento das empresas prestadoras de serviços terceirizados, embora não nos termos defendidos no texto original do Projeto de Lei. De um lado, a pressão social é muito grande sobre os parlamentares. Do outro, existem as empresas, sobretudo, as grandes corporações, que certamente estão interessadas na aprovação do Projeto de Lei original. De acordo com as centrais sindicais, o projeto, tal como está configurado, somente favorece as empresas, pois em médio prazo poderia afetar as relações de trabalho, promovendo a sua precarização e comprometendo o poder aquisitivo dos trabalhadores, o que, enfim, fragilizaria a economia nacional. Sendo assim, fazendo uma alusão à atitude paterna de Abraão, supondo-se que o projeto de terceirização seja aprovado pelo Senado, poderíamos elaborar a seguinte pergunta: será que essa grande investida contra os trabalhadores e contra economia nacional, terá a aprovação da Presidente da Republica? Será que desta vez, a exemplo de Abraão, o pai irá entregar o filho, em uma bandeja, para ser sacrificado? Será que o mais forte será “sacralizado” e o mais fraco “demonizado”? Ou será, que, surpreendentemente, irá protegê-los nos braços, uma vez que são apenas crianças? Fica a pergunta a ti, caro leitor: Se fosse seu filho, o que faria?