domingo, 15 de fevereiro de 2009

Nostalgia



Por: Paulo André dos Santos.

Ao abrir os olhos da consciência,
Ao sair do meu sono-profundo,
Ao rejuvenescer as frias carnes do meu corpo,
Senti-me surpreso, dilacerado, imundo.
***
Ao ver de cima os restos de minha história,
Ao remexer os escombros das lembranças,
Eu chorava os meus cacos quebrados,
Eu recordava dos tempos de criança.
***
Naqueles tempos de sonhos vivos,
Naqueles dias em que ousava ousar,
Eu tinha vida, eu tinha brio,
Eu não ficava a lamentar.
***
Eu amava o sol e alegrava a chuva,
Ria de mim, de coisas absurdas,
Eu chorava, eu gritava,
Eu rolava pelo chão.
***
Eu tinha medo,
Eu era frágil,
Mas, mesmo assim,
Não sabia ouvir não.
***
Hoje, governado, possuído,
Sou vencido pelo “não”,
Sou escravo de mim mesmo,
Já nem piso no chão.
***
Que saudades, que angústia,
De um tempo que não volta,
Chora triste o coração,
Desse velho frustrado.
***
Ao contrário, faz o tempo,
Me atropela pela porta,
Me amarra o corpo,
Tolhe-me a alma,
Faz-me de mim, jovem-velho,
Um escravo-livre, um vivo-morto.

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Contos de causos na fila de espera da barbearia


Por: Paulo André dos Santos.

Em pleno domingo, banhado ao sol e colorido pelo azul celeste, um convite à praia, era também dia de Ba-Vi em solo baiano. Dia de arrumar a casa, dia de se arrumar para a semana. Dia de sair, dia de se divertir. É dia. E foi nesse dia, no intuito de ajeitar um pouco os cabelos, fui à barbearia mais badalada do bairro, fui ao sergipano. É um local tradicional, de muita clientela e, por isso, de muita fila para ser atendido. Cheguei lá já era um pouco tarde, para ser logo atendido. Eram, aproximadamente, 11 horas da manhã. Tinha uma fila de pelo menos 7 pessoas à minha frente. ... Nunca gostei de fila. Sempre respeitei, mas, nunca foi do meu gosto ficar esperando seja lá o que for ou onde for. Na fila do buzú, para ser atendido no banco, em hospitais...para mim, sempre foi desagradável. Naquele dia, porém, eu tive que me conformar, afinal, cheguei tarde. E foi para esquecer da minha impaciência para espera que resolvi folhear um jornal em busca de alguma notícia que me interessasse. Acabei escolhendo a coluna esportiva. Tratavam-se das preleções sobre o clássico do futebol baiano, o Ba-Vi. Lia sobre os números e as possibilidades de cada um dos times, quando, ao meu lado, um senhor grisalho começou a interagir com os presentes contando-lhes alguns causos. Falava as mentiras mais escabrosas. A história mais absurda que me chamou a atenção foi o caso da vaca. O sujeito começou a contar a história de um caminhoneiro, que viveu uma experiência inusitada em viagem pelas rodovias do interior da Bahia. Após horas de volante pela estrada, cansado, o caminhoneiro resolveu estacionar por algumas horas no acostamento, para tirar um cochilo. Seguindo-se algumas horas, foi despertado por uma patrulha da polícia rodoviária. Não foi um despertar nada sutil. Um guarda da patrulha bateu energicamente na porta do caminhão e o caminhoneiro acordou assustado. Ainda, confuso, visto a forma como foi acordado, avistou à janela do caminhão a feição sorridente do guarda. - “Bom dia, disse ele”. O caminhoneiro respondeu à saudação do guarda: - “Bom dia, autoridade. Algum problema?” O guarda solicitou: - “Os documentos de motorista, o registro do veículo e a nota fiscal da carga”. O guarda averiguou e atestou os documentos. O caminhoneiro, entendendo que estava liberado, ligou o veículo, a fim de seguir viagem. O guarda bradou: - “Peraí, irmão. E a vaca? O motorista do caminhão, que não entendeu muito, respondeu: - “Como é?” O guarda respondeu: - “É...meu irmão, a vaca. Você e a carga estão liberados, mas e a vaca? Cadê a nota fiscal?” O caminhoneiro, já um pouco impaciente: - “Que vaca, meu irmão? Não sei de nenhuma vaca.” O guarda, aborrecido: - “Não sabe, não é? E isso em cima da carga, é o quê?” O caminhoneiro ainda descrédulo sorria balançando a cabeça ... Mas, assim que olhou para cima do caminhão, tomou um susto. Uma vaca estava tirando o maior cochilo em cima da carga. Ainda perplexo e sem saber o que explicar ao guarda o caminhoneiro coçou a cabeça. O guarda: - “E aí? Vai mostrar o documento ou não? Sem documento não sai.” Algumas reticências se seguiram, segundos de um silêncio pareciam se perpetuar... O guarda sentenciou: - “A viatura está retida até que você comprove a origem da mercadoria.” O caminhoneiro, desesperado: - “Peraí, seu guarda. Essa vaca aí não é minha, não sei como ela foi parar em cima do caminhão. Dei uma parada para tirar um cochilo, ela deve ter subido enquanto dormia.” O guarda, já sisudo e determinado a não liberar a mercadoria, foi fazer uma consulta com os outros membros da patrulha. Após uns cinco minutos, ele volta sorridente, dizendo: - “ Bem, como você não pode comprovar a origem, a propriedade ou a permissão para o transporte da vaca, você pode seguir viagem, mas sem ela, que irá ficar apreendida. O motorista, sem entender direito o que havia acontecido, concordou prontamente e seguiu a viagem.