sábado, 29 de maio de 2010

Negando água.



Por: Paulo André dos Santos.

Vivemos uma época em que a negação se faz um prerrogativa existencial. Na arena da competição global, o discurso do mérito pessoal cria no imaginário do cidadão comum a fantasia da igualdade de condições. Parte-se do pressuposto de que, ao início do jogo, todos estão em condições equivalentes. Pura hipocrisia ideológica. A negação de oportunidades iguais a todos é latente. Antes de negar a esmola do pão a determinadas camadas da população, nega-se o acesso a bens culturais e econômicos mínimos necessários ao autodesenvolvimento. A negação não é, geralmente, percebida pelas pessoas em condição de desvantagem. Elas acabam, aprisionados pelo discurso dominante, introjetando a culpa dentro de si, convencendo-se de que os argumentos apontam para uma derrota pessoal e não – como de fato é -, fruto de um papel coadjuvante no "teatro da exclusão social". Como se refere Louis Altrusser, sobre ideologia, os indivíduos tem a concepção de que eles pensam e produzem, quando na verdade eles são minuciosamente pensados e produzidos. Embora, a própria dinâmica humana na cultura confira, de certa forma, autonomia a esses indivíduos. Laraia (2001) revela a cultura como elemento condicionante do homem, mas, também, como uma produção humana. O problema é que o que o homem produz, atualmente, é cada vez mais algo que foi pensado por outro alguém, com propósitos próprios, a fim de preservar o "status quo" ou de lhe provocar algum tipo de mudança. Quando a perspectiva é a da conservação, nega-se tudo aos indivíduos da esfera social inferior. Ou melhor, permite-os que possa beber do conhecimento necessário para que possam sobreviver no mundo, mas, não o suficiente para que venham a refletir sobre a realidade e contestar a ordem estabelecida. Nesse sentido, nega-se a seres humanos uma vida na plenitude do conhecimento. Não se nega a água para sobreviver – isso ninguém nega. A água que é negada provém do rio. É uma água ainda fresca, viva, essencial. O que se quer dizer é que o conhecimento produzido historicamente pela civilização, aos indivíduos das camadas mais pobres, é oferecido em fragmentos, aos pedaços, de modo que, é-lhes impedem uma compreensão contextualizada da própria existência.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A cela.






Por: Paulo André dos Santos.

Parecíamos dois foragidos, numa correria desenfreada, empurrados por um único motivo: chegar ao destino. Não exatamente na mesma ordem, essa mistura deu o tom da ação, conduzida com um certo desespero, para fugir ou chegar a algum lugar. Percorremos ruas planas e inclinadas, repetidas vezes. Em aproximadamente vinte minutos – depois que desembarcamos no Terminal da França, chegamos ao destino. Foi uma mistura de alívio e decepção, de alegria e tristeza. Quando estávamos a nos aproximar do teatro XVIII, para assistir ao espetáculo “A Cela”, imaginativamente, conseguíamos ouvir a melodia do Hino da Vitória. Em fração de segundos, a metros do teatro, recordamos de Airton Senna. Sua garra e suas vitórias emocionantes pareciam nos ter sido emprestadas, tal a proximidade com o objetivo. Já estávamos sentindo o gosto do triunfo, os segundos que faltavam de correria pareciam estar se congelando em câmera lenta. Infelizmente, nem tudo nessa vida é acerto, êxito, vitória. No momento em que chegamos à bilheteria para retirar os nossos bilhetes – que já haviam sido comprados por amigos, que chegaram mais cedo ao local -, o atendente nos passou o ingresso, mas, prontamente, trouxe-nos a informação de que não poderíamos entrar. O relógio marcava, exatamente, vinte horas e seis minutos. Por um minuto, um mísero minuto, fomos impedidos de entrar. Pedimos, imploramos, mas, não teve jeito, perdemos a última exibição da peça teatral “A Cela” por causa de um mísero minuto. Fomos vencidos, ou, será que vencemos? Na verdade, tudo depende do ponto de vista, de quem olha, de quem interpreta.

O mundo de Alice.



Por: Paulo André dos Santos.

Quem poderá dizer que a realidade é ? Quem poderá afirmar, categoricamente, que não existe ilusão na realidade e, também, que não existe realidade na ilusão? O mundo em que vivemos é real, ou, o é apenas na forma como o enxergamos? Com o advento da revolução da física quântica, velhos pilares ruíram e as verdades, tornam-se cada vez mais incertas. Com o filme “Alice no país das maravilhas” (2010), podemos relembrar uma das mais velhas metáforas da filosofia, em toda sua história. Trata-se da “Alegoria da caverna”, de Platão, em que por meio do diálogo Sócrates problematiza a possibilidade de que a realidade seja uma ilusão. Ou seja, verbalizando “imagine”, através das idéias, o personagem refuta a própria realidade, colocando-nos todos numa caverna e como aprendizes no “Mundo das sombras”. Tudo o que aprendemos, nesse sentido, são tão somente sombras, formas, sem textura e sem profundidade. Alice, no filme referido antes, mergulha em outro mundo – que poderia ser o perfeito-, onde coisas fantásticas acontecem. Ela volta a realidade primeira, com outra compreensão de mundo, que pediria muito cuidado ao ser revelada para outras pessoas. Talvez, fosse tachada como louca, esquizofrênica, pois, como acontece na metáfora descrita por Platão, os “outros” não aceitariam a idéia e, possivelmente, iriam recriminá-la. O dogmatismo, nesse sentido, talvez seria o maior obstáculo. Uma vez que não admite duas verdades para mesma idéia, o dogmatismo impede qualquer forma de mudança, de inovação e revolução. A voga dessa doutrina é o conceito de imutável, de eterno continuísmo. Isso quer dizer que, o modelo de ciência atual (pós-moderna) é inimiga de tal forma de conceber o mundo. Se cada pessoa fosse uma “Alice”, “pescadora de ilusões”, as verdades, os arranjos da realidade, talvez, jamais simbolizassem o “fatal”, o inevitável, uma consequência do destino. A realidade, talvez, seria aceita, quando o interesse pedisse, como pseudo-realidade, permitindo a sua manipulação e transformação de quadros de maneira mais articulada. Os políticos, os filósofos, os donos da ciência, os professores, os representantes religiosos, os intelectuais – de maneira geral -, enfim, em todos os pólos de influência, não teriam a força, muitas vezes, de fazer crer piamente, mas, de alimentar cotidianamente uma crítica reflexão.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Um dia de chuva.


Por: Paulo André dos Santos.

A situação das famílias nos morros das favelas em épocas de chuvas é de muita apreensão, de muita dramaticidade. O desconforto dos moradores é grande nesses períodos. Diante das chuvas, a noite é uma “serenata da angústia”, um corre-corre, um desespero, que, no intuito de salvar o pouco que se tem, alguns desses moradores dormem mal, e outros, sequer adormecem. Os alagamentos e os desabamentos são os problemas mais frequentes. Geralmente, provocam perdas materiais significativas, quando o pior não acontece: o desastre extremo que deixa um “vazio” nas famílias, a perda de um ente querido. No noticiário de TV, o comentário dos jornalistas causa comoção entre os telespectadores. Em virtude disso, rapidamente, formam-se correntes de solidariedade. Não faltam ajudas, não faltam voluntários e doações para as vítimas das chuvas. Roupas, alimentos, medicamentos, etc., chegam, aos lotes, nos abrigos improvisados. As estruturas precárias que caracterizam as cidades e bairros periféricos fazem da ameaça representada pelas chuvas um problema ainda maior. A ocupação desordenada e descontrolada do solo dificulta a circulação de pessoas e de veículos, impedindo a prestação de serviços essenciais, principalmente, os que envolvem questões de saneamento básico. As chuvas, nesse contexto, provocam lágrimas e “dores emocionais” depois que vem a estiagem. Chegada a hora de vasculhar os escombros em busca de vítimas, ou, de procurar um objeto de relevância pessoal, o tempo vai-se escorrendo lentamente. Talvez, esses sejam os dias e horas mais longos que as vítimas tem a sensação de suportar. O pior de tudo, é que, mesmo depois de uma catástrofe provocada pelas chuvas, as casas e barracos nos morros continuam habitados, ocupados pelos moradores ou por pessoas em busca de um teto para dormir. As chuvas vem e vão, mas, no alto dos morros, todas noites, surgem pontos de luzes, sinais de vida que evidenciam a permanência e a prevalência do medo, que coloca vidas em perigo, que humilha e denuncia a precariedade da condição humana, resumida, subjugada aos interesses de um sistema econômico liberal em propostas, mas, conservador em atitudes, em mudanças no “status quo” da sociedade, que implique em uma coerência com o seu princípio fundamental, a liberdade.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Pedais e Bicicletas.





Por: Paulo André dos Santos*
Uma empresa é como uma bicicleta, um todo integrado. Um conjunto de partes que, sozinhas, não conseguem atribuir valor ao todo. Cada peça é fundamental e indispensável. Enquanto uma das partes é responsável por guiar a trajetória da empresa no presente e para o futuro, com sustentabilidade, outros ficam com atribuições não menos importantes. Os pedais movimentam as engrenagens, que por si, dão movimento à empresa. Constituem-se na sua força motriz, em seu pulmão e coração, responsáveis na prática pelo fluxo de produção, pela oxigenação fabril e financeira da empresa. Eles são a dimensão logística operacional fim, os manejadores diretos dos produtos e serviços. Por outro lado, quem está guiando a empresa, o guidão da bicicleta, com o apoio das outras engrenagens, constituem-se nos planejadores, estrategistas, gestores, etc., que elaboram e atualizam, de acordo com as demandas, a visão e a missão da empresa. É o guidão da bicicleta o responsável por desviar-se de obstáculos e percorrer o caminho mais adequado, adquirindo “know how” em novas experiências e identificando necessidades de melhorias, a partir de instrumentos minuciosamente escolhidos. Entretanto, observada as qualidades de cada peça, nenhuma delas pode trabalhar sozinha, a fim de atingir objetivos e de conquistar méritos próprios, isso não seria possível. Seria negar a dinâmica da totalidade do conjunto, os seus macros movimentos. Compreendendo isso, reconhecidamente, pode-se dizer que o mérito da caminhada é de todos, do guidão, dos pneus, dos pedais, engrenagens de movimento, propriamente ditas, dos raios que equilibram a estrutura, enfim, todos eles, individualmente, tem o mérito pelos resultados da caminhada, por terem realizado as suas atribuições com êxito, contribuindo, significativamente, para uma caminhada tranquila. Dessa maneira, a bicicleta, ou, melhor, a empresa, embora fragmentada em áreas (setores), necessita promover a comunhão entre elas, a fim de realizar um movimento harmônico. Assim, abraçando-se rumo aos objetivos comuns, fazendo do todo uma expressão maior do que a soma das partes.

terça-feira, 4 de maio de 2010

O legado de Maria Cabral



Para algumas pessoas, a morte é inexorável. Não há como escapar ao seu apetite insaciável. Nós sabemos que isso não é verdade, digníssima matriarca. Sabemos, sobretudo, que, ao partires não estás nos abandonando, mas, cumprindo o ciclo natural da vida. Mostrando-nos em sua trajetória uma referência aos que estão vindo um pouco atrás. Afinal, como enunciava Aristóteles na Grécia antiga, a finalidade primordial humana consiste na felicidade. De certa forma, tu cumpristes essa missão, gloriosamente. Consolidastes a tua obra, deixando-nos um importante legado. Algumas sabedorias, alguns ensinamentos, tem contribuído para a nossa educação e para as gerações vindouras. Atravessastes, recentemente, o caminho da imortalidade, mas, o aroma de tuas flores continuará a perfumar nossas vidas. Nesse momento, estamos aqui reunidos sob pêsames, mas, ao mesmo tempo, com a alegria de saber que terás um caminho mais tranquilo pela frente. Passastes a tua flâmula e, agora, somos nós que iremos hasteá-la, defendê-la, reverenciá-la. Sim! É o que nós iremos fazer. Faz parte de nosso propósito! A sua casa foi erguida. O seu Jardim se encontra habitado por inúmeras flores, onde nós nos deleitaremos no aroma e na essência de sua beleza. Em nome daqueles que ficaram incumbidos de guiar-se pela tua trajetória, agradecemos, ò matriarca, por ter nos ensinado a navegar em mares revoltos, enfrentando com dignidade as tempestades. Muito obrigado, querida mãe, querida avó, querida bisa,... por ter nos impregnado de toda a esperança e por todos os sonhos e valores que nos ajudastes a consolidar.

Salvador, Ba., 12 de abril de 2010.
PAULO ANDRÉ DOS SANTOS.