Por: Paulo André dos Santos
Na fazenda Boiaderos, tradicional propriedade da cidade de Caravelas, trabalhava um homem chamado João da mangueira. Bóia-fria, cortador de cana, trabalhava nos canaviais da fazenda. Em sete anos de serviços prestados e, sobretudo, de fiel dedicação às atividades, João parecia ter criado raízes na terra em que se produzia a melhor caipirinha da região. Foi ali que seus sete filhos nasceram. Crescidos em meio às plantações do canavial, longe da cidade grande, tinham uma vida limitada à rotina da fazenda, uma vez que não tinham acesso à educação escolar. As crianças, ali, nas condições em que viviam estavam praticamente condenadas a serem, no futuro, a castigada mão-de-obra do canavial. Durante as noites na fazenda, João sempre se reunia para uma prosa com os companheiros trabalhadores, que muitas vezes varava a madrugada. Discutiam sobre o trabalho no canavial, traziam relatos de momentos alegres e tristes da vida deles, falavam da futura velhice de cada um e do futuro que esperavam para os filhos. Muito se falava do desejo de conquistar um pedacinho de terra, um lugar para plantarem, onde os filhos pudessem viver com mais dignidade. Certo dia, durante a jornada diária, João estava a atalhar, arduamente, com os companheiros de batalha, pés-de-cana, sob o efeito escaldante do sol velado, expostos a escassez de vento e de água (Tratava-se de uma rotina dura, que muitos não suportariam experimentar sequer um dia). Nesse dia, após várias horas de extenuante trabalho, João, em um gesto de cansaço, parou alguns segundos para limpar o suor que escorria como lágrimas no rosto. O trabalho seguiu até o pôr do sol. Foi um dia duro. Daqueles que trazem à boca o gosto amargo de fel. No dia seguinte, pouco depois de o galo realizar o primeiro grito matutino, o sol apontara no horizonte. João já ia rumo ao canavial, era sempre um dos primeiros a chegar. Poucos instantes após chegar ao local de serviço, antes que insinuasse manejar o afiado facão, o João foi convidado para ter uma “conversinha” com o patrão da fazenda, o Sr. Bené. Sequer desconfiava sobre o assunto de que se trataria na conversa. Rapaz trabalhador, altamente produtivo, diziam até pelos canaviais que João fazia o trabalho de cinco sozinho. Não havia entre os colegas bóias-frias quem não o admirasse pela tenacidade com que executava as tarefas. Ao chegar à casa do patrão, logo à porta, em estado de eminente prontidão, o capataz da fazenda exercia a vigilância quase que patriótica. Tinha olhos frios e uma aparência enrijecida, parecia um animal feroz esperando para atacar a presa. Prudente, João respirou antes de falar ao capataz, mas o tempo não foi suficiente para que ele pudesse explicar o motivo sua presença no local. Imediatamente, com uma voz aparentemente aborrecida, o patrão convocou João para adentrar no escritório da fazenda. Assim que dois se acomodaram no sofá do escritório, alguns segundos de silencioso suspense contaminaram a mente de João. Pressentia que não seria uma boa notícia. Parecia que estava na iminência de reviver o filme da sua triste história. Marcado por um infância carente, submetido às necessidades comuns a todos os nordestinos que sentem no drama proporcionado pelas secas. Abatido, João já não estava mais tomado pela tranqüilidade que sempre o caracterizara, sentia-se condenado, convicto de que era uma sina que tinha que cumprir. E foi assim. Tudo muito rápido, sem qualquer chance de defesa. O patrão não quis esperar muito, terminou logo a conversa que ainda não havia começado, não houve ritos ou cerimônias que antecedessem a condenação do réu. Direto ao assunto, disse-lhe simplesmente para pegar os pertences e ir-se embora. Foi um golpe fatal. Depois de tantos anos de batente, nada mais restava a João, senão a rua. João foi-se. Parecia que iria cair morto naquela terra de que sempre cuidou, tal era a expressão de desalento. Estava atordoado, não conseguia compreender o acontecido, foi dispensado da fazenda sem claros motivos. E, sem entender o “quê” nem “por quê” da situação, João pôs-se de pé na estrada, com seus sete filhos, sua mulher e a sogra. Caminhavam pela velha estrada de Caravelas rumo ao desconhecido. Não sabia aonde iriam dormir ou comer, mas, mesmo assim, continuaram por sete horas em uma romaria que parecia interminável, haja visto, o infortúnio da fome e da sede que consumiam seus corpos. Foram momentos difíceis, o desespero de um pai que via, outrora, nos seus filhos possibilidades de uma vida melhor, padecia, naquele momento, dos efeitos da injustiça. Depois de dois dias muita angústia, João encontrara um lugar para trabalhar. Conhecido na cidade, foi procurado pelo capataz da fazenda Oliveira neto. O boato de que João estava pelas redondezas tinha tomado grandes proporções, muitos já sabiam da fama de bom trabalhador que João possuía. A proposta de trabalho apresentada pelos Oliveira Neto prometia para ele e a família água e comida, mas, de acordo com a produção diária. João tivera dúvidas se era o começo de mais um período de trabalho, ou se o início de mais um capítulo de uma vida amarga de servidão. Perguntava-se se esse destino era o mais digno para ele e para a família. Por momentos, para suprir as necessidades emergenciais dos acompanhantes, como comida e teto para dormir, ficou tentado a aceitar as condições infames da proposta de trabalho. O pagamento de uma diária miserável e a oferta de uma refeição por dia, era tudo que tinham conseguido. João sabia que se aceitasse o emprego, a sua família iria ter o que comer, mas que, depois de um tempo, a triste história, fatalisticamente, iria se repetir. Tinha a certeza de que não valeria a pena e, por isso, sem pestanejar, decidiu prosseguir na estrada em romaria, na esperança de conseguir um pedaço de terra para fincar o facão, para se estabelecer e marcar os limites de terra para os futuros herdeiros, tomar como propriedade aquilo que lhes foram roubados; nas oportunidades que não tiveram na vida e nos direitos
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